Recentemente tive a oportunidade de entrevistar Sara Silveira, da Dezenove Som e Imagem, cabeça criativa e executiva da produtora que acompanha o trabalho de Juliana Rojas desde seu primeiro longa, Trabalhar Cansa (2011), e uma verdadeira enciclopédia do cinema brasileiro. Nesse encontro, ela me disse com empolgação, que tudo o que Rojas quiser fazer, ela topa, porque “as coisas que saem daquela cabecinha sempre nos levam a lugares que não imaginamos”.

É. Sara tem toda razão.

Rojas investiga a condição feminina, em seu perímetro mais complexo, tateando questões como gravidez, maternidade, direito ao corpo, contrapondo, em algumas ocasiões, a ideia de determinismo biológico, geralmente usada para tolir o livre arbítrio da mulher. Seja nos curtas O Lençol Branco (2004) e Um Ramo (2007) ou no mais recente As Boas Maneiras (2017), a diretora explora questões antigas, mas sempre com o frescor de um olhar questionador e inquietante.

O ano é 1986. O cometa Halley está prestes a passar, enquanto cinco mulheres dividem uma história em comum no interior de uma clínica de aborto clandestina. A ambientação oitentista proposta pela direção de arte, maquiagem, cabelo e figurino é precisa e nos transporta para aquele período com facilidade. Todas as escolhas em A Passagem do Cometa (2017) se distanciam – e muito – de um viés acusatório, comumente visto em produções que se debruçam sobre tal assunto. O tom adotado aqui é o de urgência. Não há questionamentos quanto à vida pregressa dessas mulheres que decidem interromper a gravidez. Assim, o tempo transcorre entre protocolos a serem seguidos e o medo que sublinha o clima de tensão constante.

Uma das personagens diz que na última passagem do cometa, as pessoas achavam que iam morrer envenenadas. A outra responde: “pelo menos a gente não tem mais medo do Halley”. Do que temos medo agora? No pacto que fazemos com o presente, os ciclos históricos vêm para mostrar que a falta de lucidez impede de enxergar além do “borrão”, nos distancia dos direitos, da justiça e da autonomia feminina sobre algo de maior valor: a vida.

Daqui a 75 anos, na próxima passagem do cometa, como será que vão estar as coisas então?

 

*Texto publicado como parte da cobertura do VI Festival Tudo Sobre Mulheres.