Por Felippe Gofferman

No dia 8 de Abril perdemos Park Nam Ok que é considerada a primeira diretora do cinema sul-coreano.

Park Nam Ok

Park Nam Ok

Tendo apenas um filme como diretora no currículo, ela foi pioneira em um país que ainda hoje tem grande carga patriarcal sobre sua sociedade e uma indústria cinematográfica bem fechada.

Embora o protagonismo de personagens femininas na Coreia do Sul seja bem acima da média das industrias de outros países, quando nos voltamos para os papeis de liderança criativa o cenário muda. O número de diretoras é muito baixo graças às dificuldades que elas enfrentam ao tentar desbravar o cinema do país. Obviamente essas barreiras não são exclusividade do cinema asiático, mas esse contexto ainda precisa ser superado.

Tazuko Sakane

No Japão, Tazuko Sakane é tida como a primeira diretora da história do país. Hatsu Sugata (1936) foi o primeiro e único longa de ficção de Tazuko e o único dirigido por uma mulher até 1953, ano de lançamento de Koibumi, de Kinuyo Tanaka.

Tazuko Sakane

Tazuko Sakane

Curiosamente, tanto Tazuko quanto Kinuyo trabalharam com Kenji Mizoguchi, cineasta reconhecido por sua filmografia voltada para retratar a mulher na sociedade japonesa, mas mesmo com o histórico ambas sofreram muita resistência da indústria.

Tazuko Sakane, após seu Hatsu Sugata não resultar em grande sucesso, tentou seguir como diretora, mas não conseguiu novos projetos de ficção, se limitando à direção de documentários com teor propagandista na Manchúria e anos depois voltando a trabalhar como continuista dos filmes de Mizoguchi.  Sakane era criticada por não se encaixar nos padrões da moda feminina da época, sendo reconhecida por seu cabelo curto e pelo uso de roupas masculinas, algo que dificultou ainda mais sua carreira como diretora.

Wang Ping

A China só viu seu primeiro longa dirigido por uma mulher nascida no país no ano de 1956, embora a diretora, Wang Ping, já tivesse dirigido dois filmes para o exército no ano de 1953.

Yong bu xiao shi de dian bo (1958)

Yong bu xiao shi de dian bo (1958)

A maior presença de diretoras a partir da década de 50 é diretamente ligada a vitória do Partido Comunista sobre o Kuomintang na China, o que imporia uma maior igualdade de gêneros e traria mais mulheres para os cargos de comando no cinema.

Wang Ping foi a primeira a romper o período de conservadorismo que limitava o papel da mulher na China anterior ao Partido Comunista, mas foi logo acompanhada de diretoras como Dong Kena e Wang Shayoan.

Todas essas diretoras, de Park Nam Ok à Wang Shayoan, tiveram sua importância e sua dose de coragem e pioneirismo, mas há ainda uma diretora pouco falada que foi fundamental para que todas essas mulheres conseguissem algum espaço, mesmo que à força, nos cinemas de seus países.

Esther Eng

A história de Esther Eng é bem curiosa e, embora difira em seu início da das outras realizadoras da lista, acaba tendo um caminho que se assemelha em muitos pontos.

Esther Eng

Esther Eng

Eng nasceu nos Estados Unidos em 1914 e foi lá onde ela se interessou pela cultura de seus avós imigrantes chineses. Em São Francisco, Califórnia, Eng teve contato com a ópera Chinesa, uma das expressões culturais mais importantes da China pré-cinema e uma das principais referências para a produção cinematográfica do país.

O Pai de Eng, acompanhado de alguns parceiros, fundou a Kwong Ngai Talking Pictures Company para produzir filmes voltados ao público chinês das comunidades norte-americanas e do seu país de origem. A jovem amante de cinema, ainda com seus 19 anos, foi produtora do primeiro filme da companhia e começava ali sua saga no cinema.

Esther Eng, acompanhada da protagonista do primeiro longa da Kwong Ngai, viajou para Hong Kong para levar o filme e buscar novos atores para uma nova obra, mas sua vontade de mergulhar na produção cinematográfica e de transportar suas raízes chinesas à telona fizeram com que ela não voltasse para os Estados Unidos tão cedo. A produtora, agora com 22 anos, filmaria em Hong Kong seu primeiro filme como diretora.

Minzu Nuyingxiong (1937)

Minzu Nuyingxiong (1937)

Minzu Nuyingxiong (1937), algo como Heroína Nacional em uma tradução literal, contava a história de uma pilota do exército lutando ao lado dos homens em defesa da China. O longa de certa forma estreou um filão de filmes propagandistas que usavam a força militar como representação do patriotismo e exaltavam a força do povo na defesa de seu país.

A jovem diretora ainda fez quatro filmes na China antes de voltar para os Estados Unidos.

No país onde nasceu, Eng ainda acrescentou ao currículo a curiosidade de ter dirigido o primeiro longa de Bruce Lee. Em 1941, Lee certamente não era capaz de realizar seus feitos marciais em frente às câmeras, mas estreou ainda bebê no longa de Eng chamado Golden Gate Girl (1941).

No total, Esther Eng dirigiu cerca de 11 filmes que se perderam com o tempo, além de ter produzido e escrito alguns desses longas.

A diretora foi fundamental para a abertura, ainda que mínima, para novas diretoras dentro e fora da China, tendo enfrentado a dificuldade da falta de experiência e das barreiras causadas pelo sexismo. Eng ainda era um símbolo no que diz respeito às liberdades individuais, sendo abertamente homossexual e, assim como Tazuko Sakane, não se prendendo à moda imposta às mulheres de sua época.

Eng - Set

A forma como Eng lidava com a vida também se refletia nos filmes. Ela levava a dificuldade de ser a única mulher no cargo mais alto da produção cinematográfica para suas personagens. O longa Shiwan Qingren (1938), por exemplo, é tido como o primeiro do país a ter um elenco todo feminino, acompanhando 36 mulheres de diferentes profissões, camadas sociais e backgrounds ao retratar a forma como a mulher chinesa enfrentava seu cotidiano.

Park Nam Ok, Wang Ping, Tazuko Sakane e Esther Eng são algumas das pioneiras do cinema asiático e foram fundamentais para que hoje algumas grandes diretoras pudessem encontrar seu espaço e apresentar diferentes visões sobre o mundo e a arte.

As incríveis Ann Hui, Naomi Wakase e Miwa Nishikawa são alguns exemplos de grandes diretoras a surgirem nas últimas décadas, mas também mostram quão difícil é chegar ao ponto que chegaram e manter o status por muito tempo. A cadeira de diretor ainda é exclusividade masculina e a mudança desse panorama ainda vai demorar para acontecer de forma significativa. Enquanto isso nos resta lembrar aquelas que quebraram os paradigmas, impuseram suas ideias e fizeram suas vozes serem ouvidas na indústria dominada por homens.