Por Joyce Pais

Quem me conhece sabe da minha paixão pela Rússia. Adoro a cultura russa, a língua (já fiz aulas de russo durante um tempo e foi sensacional), literatura russa, cinema russo e tem também o “level russo de zoeira” que, convenhamos, é insuperável e rende muitas risadas em algumas situações (nem todas). Todo mundo aprendeu em alguma aula de história lá pela sexta série, mais ou menos, daquela briguinha entre a antiga URSS e os EUA para dominar o mundo e tudo mais, pois então, essa dominação extrapolava os limites terrestres e almejava a conquista do espaço, responsável por um das disputas mais emocionantes da história: a chegada a Lua. Sendo assim, natural que a Rússia tenha, ao longo de sua produção cinematográfica, filmes que retratem essa quase obsessão pelo espaço e assuntos correlatos. Veja uma seleção que fizemos de alguns longas que merecem ser vistos.

 

Aelita – A Rainha de Marte (1924)

Baseado em um romance homônimo de Tolstoi, Aelita é considerado um clássico não só do cinema soviético, mas do cinema mundial. Ele conta a história de um engenheiro chamado Los que cria uma nave especial capaz de voar a Marte. Los estabelece para o Planeta Vermelho, na companhia de de Gusev, um soldado do exército vermelho e um detetive chamado Kravtsov. Em Marte, o trio encontra uma civilização alienígena humanóide. Enquanto Gusev traça uma revolução, um caso de amor floresce entre Los e Aelita, a filha do líder marciano. O romance é considerado uma obra de ficção com fortes ressonâncias, aludindo a vida real do desenvolvedor de foguete, Dominikovich. O livro também apresenta uma dimensão ideológica, referenciando os ensinamentos transhumanistas de Konstantin Tsiolkovsky.

Kosmicheskiy reys: Fantasticheskaya novella (1935)

As tentativas iniciais de um pouso na Lua terminam em fracasso. Um coelho lançado para o espaço perece em rota. Um segundo foguete, dessa vez com um gato a bordo, desaparece sem deixar vestígios. O terceiro, tripulado por um pequeno grupo de cientistas, prova um sucesso. Finalmente, a Lua é colonizada pela URSS e no caminho de volta eles encontram um gato, dado como morto, vivo e bem. Esse filme pop de ficção ingênuo trouxe uma visão impressionante para o processo de produção cinematográfico. Foi ele que deu origem a prática, agora padrão, de contratar cientistas reais para atuarem como consultores no set (Interestelar é um exemplo recente). Os aspectos científicos do filme foram pelo cientista de foguetes soviético Konstantin Tsiolkovsky, que criou 30 desenhos técnicos da nave espacial para o longa.

Meteorites, The Universe, Road to the Stars, Planet of Tempests, The Moon (1947-1970)

Um fã do gênero encontra a ficção científica, Pavel Klushantsev foi um pioneiro neste híbrido, combinando elementos de documentário puro com fantasia live action. Seus filmes justapõem enquadramentos de rostos e filmagens de laboratório com cenas cuidadosamente coreografadas ambientadas em planetas habitados por alienígenas. Planet of Tempests impressionou tanto os cineastas nos Estados Unidos que acabou gerando duas adaptações norte americanas. A primeira delas, Viagem ao Planeta Pré-histórico, foi produzida em 1965 por Roger Corman; a segunda, uma versão adaptada do filme de Corman, foi dirigida por Peter Bogdanovich e lançada em 1968 com o título Viagem ao Planeta Pré-histórico das Mulheres Selvagens. Circulam boatos de que George Lucas, que considerava Klushantsev com o padrinho de Star Wars, queria desesperadamente conhecer o diretor soviético, de qualquer forma, os dois nunca se cruzaram.

 

Solaris (1972)

O filme de Tarkovsky conta a história de Kris Kelvin, um psicólogo que viajou para a estação espacial Solaris para avaliar se a missão científica que está sendo conduzida deve continuar. Os cientistas a bordo da estação foram levado a loucura, e logo Kelvin se vê assombrado por uma manifestação de sua amada, que cometeu suicídio de volta à Terra. Não é preciso dizer que não existe uma visão da tradição da ficção científica soviética completa sem mencionar Tarkovsky e seus filmes Solaris e Stalker. Vindo na esteira de Andrei Rublev (1966), cujo lançamento foi arquivado muito tempo pelo governo soviético, Solaris alcançou um grau de sucesso tão grande que rendeu a Tarkovsky carta branca para quaisquer projetos futuros. O diretor Steven Soderbergh fez um remake de Solaris em 2002, com George Clooney como Kelvin. No entanto, essa versão não alcançou o poder artístico e conceitual do original.

Pilot Pirx´s Inquest (1978)

Pilot Pirx’s Inquest (1978)

Essa coprodução soviético-polaca gira em torno de uma missão de Saturno. Um grande empresa consegue criar robôs humanóides e, sem prestar atenção aos céticos, decide colocá-los em produção em massa. Uma equipe de robôs e seres humanos, dirigida por um capitão chamado Pirx, é enviada para o espaço para lançar dois satélites em anéis de Saturno. Fiel às melhores tradições do gênero, as coisas não vão bem para planejar. Ainda hoje esse filme parece contemporâneo, e tudo porque seu diretor polonês, Marek Piestrak, se esforçou para alcançar o máximo de realismo. Figurinos e modelos foram concebidos com base em protótipos americanos e soviéticos existentes. A trilha sonora eletrônica, escrita pelo progressivo compositor estoniano, Arvo Part, é também muito contemporânea, inclusive servindo de influência para o disco Smack My Bitch Up, do Prodigy.

Per Astra ad Aspera (1981)

Per Astra ad Aspera (1981)

A ação desse filme, cuja tradução seria algo como “Através dos espinhos para as estrelas”, é baseado num roteiro feito pelo escritor cult de ficção científica, Kir Bulychev,  e está situado no espaço profundo. Um ofício de reconhecimento – chamado Pushkin em homenagem ao maior poeta da Rússia – encontra uma nave abandonada. No interior está uma mulher humanóide com as habilidades desumanas de teletransporte e telecinese. Richard Viktorov dirigiu a versão original do filme e morreu logo depois, em 1983, seu filho Nikolai lançou uma nova versão em 2001, tendo o som remasterizado e efeitos especiais, e encurtou o tempo cortando várias cenas atreladas a ideologia soviética.

Hard to be Good (2013)

 

Em um planeta atolado em sua própria Idade Média, o caos, a degradação e a escuridão reinam. A situação é cuidadosamente monitorada a partir da Terra, e quando parece que finalmente um renascimento é iminente, Don Rumata Estorski é enviado ao planeta para investigar. Ele deve ser um observador imparcial dos acontecimentos, mas testemunhando ilegalidades entre os habitantes locais, ele quebra sua neutralidade e interfere no processo de uma civilização alienígena. Esta adaptação do romance dos irmãos Strugatsky marcou a estreia na direção de Aleksei German. No entanto, quando os tanques soviéticos estiveram na Checoslováquia em 1968, a história de como o poder na cidade de Arkanar é apreendido pela “fraternidade negra” assumiu um tom excessivamente anti-soviético. Foi somente no final dos anos 90 que a obra de German retomou seu trabalho e continuou a fazê-lo até o fim de sua vida. Seu filho, o diretor Aleksei German Jr. deu os toques finais no projeto, que foi lançado em 2013.