Por Joyce Pais

“No set, enquanto filmo, a música de Badalamenti ou de outros fica tocando a todo volume” (David Lynch, 1997)

“Som é quase uma droga. É tão puro que quando entra pelos seus ouvidos, instantaneamente faz algo com você” (David Lynch)

Nascido em Nova York, no ano de 1937, Angelo Badalamenti é um compositor ítalo-estadunidense que trabalhou em filmes como A Praia (2000), Stalingrado (2013), O Último Concerto (2012), A Hora do Pesadelo 3: Os guerreiros dos sonhos (1987), entre outros, mas foi para os filmes do diretor David Lynch que ele produziu trilhas sonoras que viriam a marcar a história do cinema (e da televisão, com Twin Peaks), numa parceria que perdura até hoje.

Além de ser um compositor prolífico de música para cinema, ele tem uma carreira bastante vasta como compositor. Algumas de suas colaborações (e seus primeiros sucessos, de fato) com John Clifford, compostas sob o nome de Andy Badale, foram gravadas com ninguém menos que Nina Simone. Reza a lenda que ele teria parado em seu escritório sem aviso prévio e perguntado se ela gravaria suas canções “I Hold No Grudge” e “He Ain’t Comin’ Home No More”, “Another Spring”, cantando-lhes para ela a capella. Nina prontamente aceitou e, desde então, ele passou a escrever canções para ou colaborar com muitos cantores notáveis, como Tim Booth, Marianne Faithfull, Julee Cruise, Dolores O’Riordan e Anthrax, por exemplo.

Angelo-Badalamenti

Angelo Badalamenti e David Lynch

Twin Peaks, a websérie Rabbits, Veludo Azul, Cidade dos Sonhos, Uma História Real, Estrada Perdida, Hotel Room (série que se passava num quarto de hotel número 603, em Nova York, e mostrava acontecimentos naquele quarto durante três épocas diferentes), On the Air (sitcom sobre um programa de TV fictício dos anos 1950) e Coração Selvagem. Foram muitas as obras em que Badalamenti imprimiu sua atmosfera tão particular, sons quase sinestésicos, nostálgicos, dançantes, sedutores, desesperançosos… A variação dos efeitos que suas composições causam no espectadores podem ser colocados lado a lado com os causados pelas imagens criadas por Lynch.

Recentemente, num evento em Seattle, Sherilyn Feen e Sheryl Lee, que interpretam as personagens Audrey Horne e Laura Palmer, respectivamente, anunciaram algumas novidades que deixaram os fãs de Twin Peaks em polvorosa: a série teria 18 episódios, o Twede´s Café em North Bend seria reformado como o original Double R Diner e que Badalamenti retornaria com novas músicas.

Para se ter uma noção de como funciona o processo criativo entre o Lynch e o Badalamenti, deem uma olhada no vídeo abaixo, em que o compositor narra como se deu a construção da melancólica música-tema de Twin Peaks:

O fascínio que as composições para a série causam no público fez com que, em 2011, fosse lançado digitalmente o álbum “The Twin Peaks Archive”, contendo músicas raras não usadas na série e nem no filme “Os últimos dias de Laura Palmer” e, obviamente, que também não figuravam em suas respectivas trilhas sonoras.

No ano passado, o compositor e multi-instrumentista David Coulter lançou a coletânea de regravações de músicas presentes nas trilhas dos filmes de Lynch chamada “In Dreams: David Lynch Revisited”. Nela, artistas consagrados fizeram uma releitura de canções como “Sycamores Trees”, Love theme from Twin Peaks”, “Falling”, “Mysteries of Love”, entre outras.

A influência do universo musical lynchiano vai além da relação com fãs e desperta o interesse de bandas e cantores(as) de diversos gêneros e estilos. Você pode conferir aqui algumas dessas bandas e músicas frequentemente associadas ao universo lynchiano.

Não tem como deixar de mencionar a empreitada um tanto inusitada do trio Lynch, Badalamenti e Julie Cruise, que em 10 de novembro de 1989, dentro do New Wave Music Festival, da Brooklin Academy of Music, em Nova York, apresentaram uma performance chamada Industrial Symphony No. 1: The Dream of the Brokenhearted. A performance começa com uma encenação, feita por Nicolas Cage e Laura Dern, de uma relação que chegou ao fim. Depois, uma sequência de músicas cantadas por Julie Cruise, que aparece pendurada em cabos de aço no teatro, com aspecto de anjo, tem andamento. A performance foi apresentada somente uma vez, depois lançada em VHS, e contou com personagens e situações já conhecidas do mundo de Lynch – o anão Michael J. Anderson, toras de madeira, lenhadores, e uma cidade bem obscura com carros suspeitos. Algumas músicas foram usadas da trilha de TP, outras do álbum de Cruise, “Float into the night”, produzido por Badalamenti, com todas as letras assinadas por Lynch.

Assista na íntegra:

Além de compositor, amigo e parceiro em quase todas as produções de Lynch, Badalamenti já teve o gostinho de atuar em dois filmes do diretor, Veludo Azul, onde ele toca piano durante a performance de Isabella Rossellini, e de forma mais destacada em Cidade dos Sonhos, como um dos mafiosos Irmãos Castigliani, que fazem da vida do diretor Adam Kesher um verdadeiro inferno ao impor uma atriz indicada por eles; e da secretária da produtora também, responsável por providenciar o melhor café expresso do mundo, sem chances de errar. Sinistro. Vejam as cenas:

https://www.youtube.com/watch?v=Tii1hVwKy08

Badalmenti ganhou um Grammy em 1990 pela música tema de Twin Peaks, recebeu um prêmio pelo conjunto da obra no World Soundtrack Awards e um Henry Mancini Award no American Society of Composers, Authors and Publishers (organização que protege o direito autoral das obras de seus membros musicais).

Ficou interessado no trabalho do cara? Então, dê uma olhada em seu site oficial.

Só pra se despedir com classe , deixo aqui a trilha que com certeza marcou o imaginário de todos os que assistiram Twin Peaks, a famosa dancinha da Audrey Horne <3:

Esse post é o segundo de uma série chamada “Quem é?”, o primeiro foi do dublador Herbert Richers, confira!