Por Lívia Fioretti

Vencedor do maior prêmio da Academia em 2016, Spotlight: Segredos Revelados levantou a discussão dos casos de pedofilia que ocorreram na cidade de Boston e foram desmascarados pela equipe investigativa do jornal Boston Globe. A questão é: o que acontece com os membros do clero envolvidos em polemicas como estupro, prática de violência, homossexualidade e/ou adoções ilegais? Eles vão parar n’O Clube.

O filme do chileno Pablo Larraín narra o cotidiano de uma casa de repouso/prisão onde vivem quatro padres e uma freira – personagens que em algum momento de suas vidas cometeram atos pecaminosos e criminosos e, por isso, vivem reclusos em um universo particular, distante do mundo exterior. O conflito do filme se dá a partir do momento em que um guia espiritual, representante da “nova Igreja Católica”, passa a acompanhar os reclusos com o objetivo de fechar as moradias bancadas pela instituição.

É curioso ver como um tema tão pesado é abordado simultaneamente por obras tão distintas e em cenários tão diferentes – é quase como se um completasse o outro. Enquanto sob o olhar do americano Thomas McCarthy (que curiosamente também dirigiu Trocando os Pés. É. EU SEI), o assunto é abordado de forma direta e por meio de técnicas tradicionais, O Clube trabalha em profundidade a redenção – um dos pilares da doutrina católica – sem medo de evocar nojo e podridão na plateia.

Por ser considerado “um filme de arte”, O Clube usa de aspectos semióticos e estéticos para pegar o espectador pelo estômago. Como em um livro, o roteiro economiza nos fatos mas compensa nas sugestões, o que faz do espectador participante da obra. Desde a primeira cena fica claro que Larraín prefere sugerir as atrocidades cometidas pelos personagens do que exibi-las na tela, deixando ao público a reconstrução imaginária dos causos. Por outro lado, mesmo sendo uma obra mais literal, Spotlight também envolve o espectador ao conduzi-lo pelas ruas de Boston, como se fossemos assistentes da investigação. 

Enquanto Spotlight é didático e mostra tanto o funcionamento da redação quanto o impacto dos escândalos na comunidade americana, O Clube só entrega pequenos momentos de alívio para não tornar a experiência do filme completamente inviável. Para ajudar o filme a descer, Larraín conta com um visual incrível, uma lente larga, bordas distorcidas e um filtro nublado que ajuda a desfocar o filme.

Em um cenário onde aproximadamente 20% da população mundial é católica (no caso do Brasil, esse número chega a quase 60%), o fato de uma temática tão dura receber notoriedade por meio do cinema me faz acreditar em um possível fim para tais absurdos – afinal, a melhor maneira de mudar as estatísticas exibidas nos créditos de Spotlight é o acesso à informação.