Morar em republica e dividir o espaço com outras pessoas, que muitas vezes são desconhecidas, a princípio, não é fácil. Combinar tarefas como quem varre a sala ou lava a louça é sempre uma dificuldade. Principalmente quando algum espertinho finge de bobo e não cumpre o trato (sei disso por experiência própria). Mas como seria essa mesma história se ao invés de humanos, tivéssemos seres das trevas imortais e sugadores de sangue?

Munidos de crucifixos, um grupo de documentaristas  é autorizado a acompanhar o dia a dia de quatro vampiros que dividem uma casa na Nova Zelândia e passam por essas dificuldades. Essa é a premissa de O Que Fazemos nas Sombras (2014), um mockumentary, roteirizado e dirigido por Jemaine Clement e Taika Waititi, esse último está atualmente nos cinemas com Thor: Ragnarok.

Logo de cara, percebemos que o filme foi construído a partir de uma boa pesquisa no universo do cinema de terror. Os personagens são elaborados em cima de referencias a diversos tipos de vampiros. Por exemplo, o visual do personagem Petyr (Ben Fransham) é claramente inspirado no clássico do Expressionismo Alemão, Nosferatu (1922). Além das características físicas dos personagens, eles também carregam elementos próprios das épocas em que viveram e qual idade tinham quando foram mordidos. O interessante é que isso é usado em todo roteiro nas decisões e falas dos personagens. Como o motivo de um ser mais certinho, o outro mais rebelde, etc. Outros personagens secundários também preenchem esses arquétipos, como as duas meninas vampiras que, para se alimentarem, atraem pedófilos e os fazem de jantar.

Petyr, em O Que Fazemos Nas Sombras

Frame do Clássico Nosferatu

O filme é bizarramente engraçado e consegue dominar bem a mistura de três gêneros. O primeiro o do documentário, com o uso da câmera na mão e que muitas vezes nos deixa desnorteados, a iluminação vinda da própria câmera e até a forma com que os personagens se comportam diante das lentes. Muitas vezes, sem graça e sem argumentos, terminando sua fala no meio. O segundo, conforme já comentado, mostra uma pesquisa muito grande sobre o terror e, mais especificamente o de vampiro, vindo desde clássicos como o também já citado Nosferatu até sucessos recentes como Bruxa de Blair (1999) (que já era uma mistura de terror e documentário fake) ou mesmo o sucesso adolescente Crepúsculo (2008). E, por último, conseguir fazer comédia na mistura desses dois gêneros anteriores.

Em alguns momentos temos um pitada de drama, quando os personagens esboçam o lado negativo de ser um vampiro. Como nunca poder ver o pôr ou nascer do sol, ou então, ver seus entes queridos morrerem. Mas, na maioria das vezes isso é contornado com alguma piadinha que não deixa o clima ir exatamente para um drama.

Os cenários e a criação dos planos também me chamaram muito a atenção. Vendo os frames fora de contexto, provavelmente acreditaríamos que este se tratar de um filme comum de terror envolvendo vampiros. O roteiro e as situações ocorridas é que dão o tom cômico. Em diversos momentos fiquei pensando: “Cara, será que eu realmente deveria rir disso?”. Nada ofensivo, mas cara, estamos falando de assassinar pessoas e tal. Mas na piada seguinte, já estou rindo de novo.

Olhando assim não parece, mas esse é um filme de comédia.

Enquanto em outros casos vindos do terror, como o próprio Bruxa de Blair, que ficávamos em dúvida se as filmagens eram reais ou não, em O Que Fazemos nas Sombras, desde o início, principalmente pelo teor cômico, já entendemos que o filme se trata de uma comédia, de um documentário fake. Veracidade é o que o filme menos procura.

A narrativa consegue construir bem a passagem de tempo diferente dos seres das trevas para nós, humanos. Por exemplo, numa das cenas, os vampiros fazem uma reunião sobre a divisão das tarefas da casa. Uma das queixas de dois dos membros é que Deacon (Jonny Brugh), não lava a louça, que seria sua tarefa, há cinco anos. O que pra nós mortais, seria uma eternidade, para eles é como se fossem dias.

Jemaine Clement e Taika Waititi, criadores de O Que Fazemos Nas Sombras

Além de vampiros, ainda conhecemos lobisomens e zumbis e os principais problemas enfrentados por eles no dia a dia do século XXI. Inclusive, os criadores prometeram um outro derivado parecido, mas, dessa vez, focando o universo dos lobisomens.

Os efeitos especiais são usados de forma moderada. Somente em ocasiões extremamente necessárias. Nos momentos em que eles precisam voar, fica bem óbvio que eles estão suspensos por cordas, mas, devido a comicidade do filme, combina bem com a proposta.

O que achei interessante é que, apesar de não ser um filme “sério”, com seus exageros e situações cômicas, ele, por sua vez, leva o espectador a sério. Não subestima sua capacidade de entendimento da história e de seu funcionamento.

Um exemplo, logo no início somos apresentados a cada um dos personagens, onde eles dormem e as principais características de cada um. O personagem Vladislav (Jemaine Clement) nos mostra sua câmara de tortura em que, segundo ele, sempre vai quando está triste ou deprimido para torturar alguém. Mais pra frente, depois de um certo ocorrido vemos, como que se estivéssemos olhando por uma fresta, um corpo nu pendurado nessa câmara. Ao a câmera se mover para um pouco para o lado Vladislav, aparece de costas para nós segurando um instrumento de tortura. Não existe nada, nem mesmo o próprio vampiro nos dizendo da sua dor, apenas essa imagem e o que já foi dito anteriormente, nos diz o estado atual do personagem.

Ao final, O Que fazemos nas Sombras é um excelente pedida pra quem quer se entreter pegando as referências de filme de terror e rindo da paródia disso tudo. Não é o tipo de filme que arranca lágrimas de tanto riso, mas nos mantém com um sorriso no rosto boa parte do tempo. Em tempos de comédias ofensivas do Adam Sandler, essa produção é um tremendo achado.