O ano é 2005, muito se falava sobre um certo documentário ovacionado pelos críticos e premiado em festivais, A Marcha Dos Pingüins, narrado pelos próprios pinguins. 2005 foi o ano em que quatro pinguins fugiram do Zoológico do Central Park na animação Madagascar. No mesmo ano foi anunciado um trailer para o novo filme de George Miller, Happy Feet (2006), sobre um pinguim que sapateia ao invés de cantar. Tanto o primeiro quanto este último foram lançados no Brasil em 2006, o documentário em janeiro, e a animação dos pinguins dançantes em novembro. Também em 2006 circulava um trailer para outro filme de pinguim, este que segue:

Vê-se que os pinguins estavam na moda naquela época, afinal eles são bonitinhos. E o que esperar deste filme anunciado no trailer? Afinal tanto A Marcha Dos Pingüins quanto Happy Feet ganharam Oscar nas respectivas categorias, como este pode se destacar? E o que dizer do título? “Tá dando onda”, até parece uma expressão criada por um MC de funk ostentação que acabou de largar as fraldas. Me parecia um daqueles projetos criados por rivalidade entre os estúdios, como Formiguinhaz (1998) e Vida De Inseto (1998), O Espanta Tubarões (2004) e Procurando Nemo (2003), era como se a Sony quisesse entrar na briga entre Pixar e Dreamworks, dando um golpe na Warner. Confesso que não tinha muitas esperanças de que este seria um bom filme, só o vi no cinema porque meu primo de 6 anos queria que eu o levasse. Que bom que eu o fiz, pois Tá Dando Onda (2007) me surpreendeu bastante.

Cadu é um jovem que sonha em ser reconhecido pelo seu talento como surfista, inspirado pelo lendário Big Z. Eis que surge uma oportunidade para participar de um grande torneio ao lado de esportistas renomados, incluindo Tank Evans, principal rival de Z. Após cair de sua prancha em um desafio com Tank, Cadu é salvo e levado para o interior da ilha, onde conhece o recluso Grilo, que se oferece para juntos fazerem uma nova prancha de surf, o que dá início a uma amizade improvável.

Uma coisa que notamos logo de cara é a estética de documentário. A primeira cena do filme é a preparação e início de uma entrevista com Cadu, não é algo novo no mundo da animação, Os Incríveis (2004) começa da mesma forma, mas o que no filme da Pixar era apenas um gimmick para introduzir os personagens, neste filme todo cuidado foi tomado para criar a sensação de estarmos assistindo a um documentário ou um Reality Show sobre surf, como se tivesse sido produzido pela SporTV ou MTV. Entrevistas, câmera na mão, ajuste no foco, microfone boom aparecendo, uso de imagens de arquivo, granulado na tela, edição não linear com o trecho de um depoimento de alguém, replay, câmera lenta, imagem acelerada, reparamos que às vezes alguém olha para a câmera sem querer, o câmera por sua vez nunca é ignorado e às vezes sai lesado, todos esses são artifícios para criar a ilusão. Quem estaria fazendo este documentário? São outros pinguins, outra ave, são humanos, humanos disfarçados de pinguins? Nós nunca os vemos, só os ouvimos. Uma curiosidade para os fãs: a voz dos entrevistadores é dos próprios diretores, Ash Brannon e Chris Buck, um easter egg mais interessante do que este é reparar que seus nomes aparecem na claquete logo no início. Este formato de documentário é muito bem utilizado a favor da história, pois oferece uma chance aos personagens se expressarem, dizerem o que pensam de uma forma espontânea.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: (Foto 1) Cadu sendo entrevistado, ele se assusta com o boom próximo à sua cabeça; (Foto 2) Imagem de arquivo; (Foto 3) Entrevista com a mãe de Cadu, com direito a um bando de “bicudos”; (Foto 4) Apresentação do torneio, imagens cedidas pela SPEN; (Foto 5) Momento em que a lente da câmera é quebrada; (Foto 6) Claquete inicial, com os nomes dos diretores, e do cameraman.

Enquanto o estilo documentário fortalece a ideia de estarmos vendo algo factível, isso de nada valeria se os personagens não fossem interessantes. Veja, por exemplo, uma outra animação de outro estúdio com a temática de esporte, Carros (2006), onde o mundo habitado apenas por veículos é totalmente inverossímil e os personagens rasos e antipáticos tornam a experiência desagradável. Por muito pouco Cadu Maverick não se tornou uma versão do Relâmpago Marquinhos*, ambos são convencidos, mas o que faz do Cadu agradável é o carisma do personagem, mesmo tendo uma vida de underdog, não ter conhecido o pai, ter de lutar por uma porção de comida, trabalhar num emprego sem futuro, ele ainda consegue levantar a cabeça e arranjar tempo para fazer o que gosta, ele é apaixonado pelo que faz e essa paixão nos cativa, e está disposto a seguir o seu sonho, Cadu tem amigos e os defende, e não tem vergonha de “abrir seu coração” para os diretores.

Uma técnica da escrita de roteiro determina que “a primeira impressão é a que fica”, e isso é uma coisa que Tá Dando Onda aplica bem, a primeira impressão que temos do Big Z é através dos olhos do seu fã, uma personalidade humilde, que não tem problemas em ir ao encontro de pessoas comuns, proferir palavras de encorajamento, que segue o surf como algo espiritual. Z foi inspirado no surfista californiano Greg Noll, apelidado de “Da Bull” (O Boi) devido ao seu porte físico, ganhando sua reputação em 1957 por surfar com sua longboard as maiores ondas já registradas, em Wimea Bay no Havaí, ondas que alcançavam de 7 a 10 metros de altura, um ato que se acreditava ser impossível até mesmo para os locais. Da Bull não teve uma carreira longínqua, “pendurando” a prancha doze anos depois, para viver uma vida normal desde então, mudou-se para o Alasca para se tornar um pescador, mas com a recente volta da popularidade das longboards e da aquisição destas por colecionadores, Da Bull passou a manufatura-las até os dias atuais. Podemos ver mais da sua biografia em seu livro, mas eu prefiro deixa-los com um trecho do documentário Biggest Wednesday: Condition Black (1998) que conta o fato. Reparem em como a estética do filme granulado se equipara a de Tá Dando Onda.

Dentre os personagens secundários mais queridos neste filme destaco o João Frango, querido pelos brasileiros depois de transformado num conterrâneo na dublagem. Ele é um outcast, um peixe fora d’água, alguém que não deveria estar lá, mas não se deixa abalar por isso, na verdade nada o abala. Como eu disse antes, “a primeira impressão é a que fica”, Cadu o conhece quando o frango lhe estende a prancha para que ele possa subir a bordo da baleia.

De cima para baixo: (Foto 1) Momento em que Cadu conhece João Frango; (Foto 2) Concept design do personagem. Detalhe para a prancha que remete a um milho.

Lani é o interesse romântico de Cadu, a moça é interpretada por Zooey Deschanel, linda atriz, mas inexpressiva como uma rocha, porém sua persona avoada combina com a personagem, alguém que apesar de trabalhar na praia não tira proveito disso para se divertir, toma conta de um tio recluso, único membro da família, e que não sai de casa por 10 anos. O mais inusitado sobre ela é o seu pequeno stalker, Arnold, um filhote de pinguim que se coloca em risco só para ser salvo por Lani. Não é a primeira vez que Zooey Deschanel arranca suspiros de uma criança em um filme, em Ponte Para Terabítia (2007) Jess é “flechado pelo cupido”.

De cima para baixo: (Foto 1) João Frango fazendo Cadu se apresentar para Lani, enquanto esta afaga o garotinho Arnold. Reparem na expressão de desgosto do menino ao se afastar; (Foto 2) Concept design da personagem.

Do lado da oposição temos Tank Evans, este sim se acha o pica das galáxias, venceu Big Z no início da carreira e agora atazana a vida de qualquer um que apareça na sua frente, não poupa nem crianças. Penso nele como um Johnny Bravo sem coração, a dualidade do personagem pode ser conferida no seu design, se reparar, verá que Tank tem um olho de cada cor, azul e vermelho, como se o vermelho fosse seu lado babaca e o azul fosse o filhinho da mamãe, assim como Johnny Bravo era. Talvez seja minha mente poluída, mas Tank se refere a um de seus troféus como a sua “safadinha”, só eu imaginei que ele faz sexo com o troféu quando ninguém está olhando?

De cima para baixo: (Foto 1) Tank apresentando a sua “safadinha”. Podemos ver claramente os olhos, cada um de uma cor; (Foto 2) Concept design do personagem e sua prancha; (Foto 3) Design dos troféus de Tank.

Ao lado de Tank temos outro personagem que quase pode ser considerado um “vilão”, Reggie Belafonte, uma lontra marinha, que pelo penteado excêntrico eu diria que foi inspirado no Don King (empresário do Mike Tyson), mas a verdade é que Reggie foi inspirado num promotor Bill Sharp, que colocou a vida de surfistas em risco durante um evento em 1974 que deveria ter sido cancelado devido às más condições do tempo, por negligência Sharp deu continuidade ao evento. Isto pode ser conferido também no documentário Biggest Wednesday, o local onde isto aconteceu foi na praia de Maverick na Califórnia, daí o sobrenome do protagonista do filme. Reggie não é um vilão, mas um manipulador, alguém que vive às custas de outros, e este outro é o caça-talentos Mike Abromowitz, um maçarico, uma escolha interessante, pois quem viu o curta da Pixar Piper: Descobrindo O Mundo (2016) sabe que esta espécie de pássaro que vive em regiões litorâneas não gosta de molhar os pés, e um profissional da área de surf que não surfa e nem sequer molha os pés é no mínimo incomum, em defesa do personagem, Mike é um mero businessman, que faz isso pelo “dinheiro”, sua verdadeira paixão era ser caça-talentos de Tucanos no Brasil, ele diz isso com um sorriso no bico.

Resta falar sobre mais um personagem, o tio de Lani, Grilo, interpretado por Jeff Bridges, uma versão do The Dude de O Grande Lebowski (1998), também interpretado por Bridges. Seu personagem é apresentado enquanto dorme numa rede do lado de fora de sua casa, debaixo de uma chuva forte, ou por preguiça ou ele realmente não se importa com nada. Mais tarde descobrimos que Grilo é na verdade … eu deveria ter avisado antes que haverá SPOILERS neste texto, caso não o tenha visto, veja-o e depois continue a leitura deste, mas caso não se importa com isso, afinal o filme foi lançado há dez anos, então podemos prosseguir.

Dito isto, Grilo é na verdade Big Z, uma coisa óbvia, basta reparar a malha preta que lembra uma camisa havaiana, porém, esta revelação e a forma que os diretores optaram por “esconder” esta verdade bem debaixo do nosso nariz, são bem sutis e orgânicas, primeiramente Z não aparecera em tela por muito tempo, apenas em trechos de imagens de arquivo com um filtro granulado; em segundo lugar, Big Z era dez anos mais novo nas imagens de arquivo e com vários quilos a menos, todos nós temos um amigo ou parente que se tornou irreconhecível depois de ter engordado/envelhecido; e terceiro, existe um distanciamento entre o incidente da “morte” de Z até ele ser reapresentado como Grilo, assim, não há uma associação direta entre um personagem e outro. Algo que me deixou surpreso não foi a revelação em si, mas a forma que os diretores a conduziram, Grilo não precisa dizer “eu sou Big Z”, e antes que Cadu diga em voice over, nós percebemos pela reação do Grilo, é bem provável que as crianças no cinema tenham percebido antes de ser dito, lhes dando aquela sensação de satisfação por ter decifrado isso. Se você reparar bem na cena em que a prancha de Z cai para a perdição, é possível ver que Z não está sobre a prancha quando esta se espatifa nas rochas. A partir deste ponto o filme ganha outra dimensão, nós temos dois personagens com o mesmo conflito no passado, Cadu perdera a disputa com Tank e sente vergonha de voltar à competição ou para casa, enquanto Z sente vergonha por ter encontrado um rival que lhe tirou o posto de melhor. Um se torna o espelho do outro: Grilo é o que Cadu se tornará caso entre para o lado negro da força, achando que vencer é tudo na vida, e Cadu tem o mesmo entusiasmo que Grilo deveria ter quando jovem. A moral disso é clara, ninguém é campeão pra sempre.

Da esquerda para a direita, e cima para baixo: (Foto 1) Big Z quando jovem; (Foto 2) Big Z dez anos depois; (Foto 3) Podemos ver que a prancha está sozinha no momento fatídico; (Foto 4) Big Z salta da prancha para forjar sua própria morte. A filmagem é a mesma mostrada anteriormente, porém com o zoom e o uso da câmera lenta nos permite atentar a este detalhe.

Pois bem, Tá Dando Onda é uma típica história do “underdog” que sempre cativa o público, tal como Rocky: Um Lutador (1976), só que não, não é exatamente um filme sobre surf ou um filme de high concept com pinguins surfistas, é sobre a vida e como a vivemos, assim como uma onda a vida tem seus altos e baixos, é preciso aprender a surfar e se divertir com isso, uma hora ou outra vamos acabar levando um caldo, e cada um dos personagens reflete nesta metáfora e nos faz lembrar alguém que conhecemos, até mesmo Glen, o irmão de Cadu, que faz críticas negativas ao invés de tentar fazer algo de útil para si.

O surf pode ser uma simples competição, mas para os que o praticam está mais próximo de uma experiência espiritual, Z sempre faz uma reverência ao pegar um tubo. Se você não se convenceu disso com Tá Dando Onda, Kathryn Bigelow também aborda o lado espiritual do surf em seu filme Caçadores De Emoção (1991) – FILMAÇO. De início, Cadu quer provar para si e para os outros o quão bom ele é, uma prova disso seria ganhar o troféu, o McGuffin da história, tanto o protagonista quanto o antagonista o quer pelo mesmo propósito, alimentar o próprio ego, isso os coloca como dois lados da mesma moeda. Ao se tornar o mentor/figura paterna, Big Z tenta apontar o caminho espiritual para Cadu – enquanto ele era o Grilo, apenas aponta o caminho para a praia – descrevendo o tubo, mas Cadu só tem em mente a pontuação. Para Z, pegar um tubo significa entrar em paz consigo mesmo, é o que Cadu precisa para si (não o que ele quer), assim é justificável a escolha dos diretores do filme não permitirem que ele alcançasse isso durante seu treinamento, e sim após ganhar sua confiança de volta ao final da competição, caso contrário esta perderia o sentido para Cadu. Por mais que ele evite tocar no assunto, a perda do pai ainda é uma ferida na vida do protagonista, é o seu emotional core, ou seja, é o que torna o personagem identificável com o público, e o que lhe dá motivação, podemos ver que o personagem se sente dividido entre reconciliar com Z ou ganhar o troféu, a final da competição força Cadu a fazer uma escolha. Cadu se torna mais próximo do seu ídolo quando passa pela mesma situação que ele, e percebe que ser o segundo colocado não é o fim do mundo.

Da esquerda para a direita, e cima para baixo: (Foto 1) Cada um dos personagens reconhece ter perdido e aceitam o fato; (Foto 2) Cadu finalmente pega um tubo; (Foto 3) Big Z afaga a cabeça de Cadu quando este era criança; (Foto 4) Anos mais tarde, Big Z afaga a cabeça de Cadu da mesma forma quando ele se revela para todos na praia.

Tá Dando Onda tem um ritmo ágil, e o que contribui para isto é a sua trilha sonora, fui logo capturado pelo clima do filme quando o protagonista diz “Cadu sou eu, bro. Deixe eu ser eu!” seguido da música Drive, da banda Incubus, que marcou a minha adolescência. Minutos depois, Cadu chega à Ilha Pen Gu, temos uma montagem de planos na qual acompanhamos a apresentação do torneio, a praia, e a amizade entre Cadu e João Frango, ao som de Welcome To Paradise do Green Day, jamais pensei que ouviria Green Day numa animação (o que se repetiu em Os Simpsons – O Filme), música que eu ouvia na minha pré-adolescência – hoje meus gostos mudaram, adoro metal sinfônico – estas duas músicas têm valor nostálgico para mim. Vale muito a pena conferir o filme pela trilha sonora, para facilitar a sua vida, vamos disponibilizar as músicas no Spotify do Cinemascope, ideal para a sua festinha na praia.

Estúdios de animação já consagrados adoram inserir easter eggs a serviço dos fãs. Até 2007, Tá Dando Onda era apenas o segundo filme da Sony Animation Pictures, o que significa que não há espaço para isso, certo? Errado! Ao invés de objetos de cena usados nos filmes anteriores, ou uma pista do próximo projeto, os diretores de Tá Dando Onda inseriram discos voadores em alguns momentos. São sutis, não têm ligação com a história, e não tiram a atenção desta. Pra não dizer que não existe nenhuma referência a outro filme da Sony, o protagonista de ChubbChubb (2002), vencedor do Oscar de Melhor Curta Animado em 2003, aparece escondido em um momento, mas é praticamente impossível de ser notado.

Da esquerda para a direita, e cima para baixo: (Foto 1) Imagem de arquivo, com um OVNI escondido ao fundo; (Foto 2) Imagem de arquivo, cena em que Z é dado como morto. Nesta cena o OVNI está em movimento; (Foto 3) Cadu chateado por ter perdido o seu colar, ao fundo o personagem do curta-metragem vencedor do Oscar; (Foto 4) Cena de The ChubbChubbs. OBS: Devem haver mais OVNIs escondidos durante o filme, estes são apenas os que eu consegui encontrar.

Sobre animação, só tenho uma coisa a dizer: é ótima! Como animador, algo que me chama a atenção é a animação secundária, veja por exemplo a cena em que Cadu conversa com Lani pela primeira vez, perceba no olhar da lula a chateação pelo approach do Cadu; ou numa das entrevistas com os três filhotes, um deles tenta sair de cena, e alguém o força a ficar, normalmente não percebemos isso porque nossa atenção está voltada para o garotinho dando seu depoimento; a animação principal é primorosa, veja como Big Z perde o equilíbrio quando surfa pela primeira vez em dez anos. Para quem trabalha com animação ou tem interesse em acompanhar o processo, sabe que normalmente os atores gravam suas falas separadamente, Tá Dando Onda quebra esta regra, os diálogos e entrevistas foram gravados com os atores no estúdio, deixando-os mais à vontade para improvisação, e para deixar o ator mais imerso no contexto, uma equipe com uma câmera e um boom o seguia. E para dar um passo mais adiante, uma tecnologia foi desenvolvida para simular o movimento da câmera num ambiente tridimensional.

Dez anos depois, Tá Dando Onda ainda impressiona, feito que a maioria dos filmes da Sony Pictures Animation não o faz. Deixei para discutir este assunto por último porque este foi o principal motivo que me levou a querer escrever este texto, principalmente por causa do mais recente lançamento do estúdio, Emoji: O Filme (2017), que me faz levantar a pergunta: o que aconteceu, Sony? Para início de conversa, Sony surgiu em 1946 como uma empresa no ramo de eletrônicos – e devemos ser gratos por isso. Em 1989 a empresa comprou a Columbia Pictures para entrar no mundo do cinema, em 1992, criou a Sony Pictures Imageworks, especializada em efeitos especiais para filmes, você pode ver seu trabalho em filmes como Anaconda (1997), Tropas Estelares (1997), a franquia Homem-Aranha (2002-) e Stuart Little (1999), com este último a Sony sentiu confiança para investir em animação, sua primeira incursão foi com o curta The ChubbChubbs!, e como disse antes, levou a estatueta para casa. Próximo passo era arriscar com longas metragens, assim veio O Bicho Vai Pegar (2006), que obteve um lucro considerável para o estúdio. Seguido por Tá Dando Onda; O Bicho Vai Pegar 2 (2009) direto para DVD; Tá Chovendo Hambúrguer (2009), de Phil Lord e Christopher Miller; O Bicho Vai Pegar 3 (2011), direto para DVD; Os Smurfs (2011); Operação Presente (2011); Piratas Pirados (2012); Hotel Transilvânia (2012) dirigido por Genndy Tartakovsky, um cara que eu respeito no mundo da animação, conhecido pelos desenhos O Laboratório De Dexter e Samurai Jack; Os Smurfs 2 (2013); Tá Chovendo Hambúrguer 2 (2013); Hotel Transilvânia 2 (2015); Os Smurfs e a Vila Perdida (2017), tentando corrigir os erros que fez com os filmes anteriores da franquia; e Emoji: O Filme. Ao longo deste tempo tivemos notícias de um longa animado do Popeye dirigido por Tartakovsky, e Medusa, que seria a estreia de Lauren Faust na direção, ambos projetos abortados. Fala sério?

Depois de ver este vídeo, acho que você concorda comigo quando eu digo que os executivos da Sony não têm nada na cabeça. Tirando Operação Presente e Piratas Pirados da lista, porque ambos foram produzidos pelo estúdio Aardman (muito bons), quais outros filmes são realmente bons? Tá Chovendo Hambúrger é divertidíssimo, Hotel Transilvânia também, mas o restante não passa de filmes legais com histórias… meh e Emoji: O Filme para bater o último prego no caixão.

No final de 2014 hackers invadiram os computadores da Sony e vazaram informações sobre os estúdios, materiais confidenciais – incluindo o filme A Entrevista (2014) –, e-mails pessoais, e o que se viu no departamento de animação é que o estúdio estava dando grande atenção a Phil Lord e Christopher Miller, intencionando encarar seus concorrentes de frente (como eu disse antes, entrar na briga entre Dreamworks e Pixar), para isso precisavam apostar no talento dos seus cineastas, porém, os e-mails mostravam que ambos os diretores não estavam satisfeitos com a forma que eram tratados pelos chefões Amy Pascal e Michael Lynton. E-mails pessoais de Amy Pascal vazaram, contendo comentários racistas insinuando que um presidente negro, na época Barack Obama, iria gostar de Django Livre (2012) e O Mordomo Da Casa Branca (2013). Outros e-mails mostravam o quanto os funcionários estavam insatisfeitos, com a moral baixa, sentindo-se menosprezados, e envergonhados do próprio trabalho quando comparado ao de outros estúdios, a falta de originalidade e liberdade de criação incomodava, e o fato de que apenas um diretor recebia elogios pelo seu trabalho, Genndy Tartakovsky.

Tudo isso colaborou para a má reputação do estúdio perante o público e realizadores, e é claro, isso tudo reflete nos filmes. Se você busca um final feliz para esta história, alguns diretores que passaram pelo estúdio deram sorte: Chris Buck (de Tá Dando Onda) foi para a Disney e codirigiu nada menos do que Frozen (2013) e está codirigindo Frozen 2; Phil Lord e Christopher Miller (de Tá Chovendo Hambúrgeres) migraram para a Warner e lançaram o ótimo Uma Aventura Lego (2014); Genndy Tartakovsky (de Hotel Transilvânia) não conseguiu levar o projeto do Popeye adiante, mas está desenvolvendo Hotel Transilvânia 3, e Can You Imagine? – este último pode ser que nem veja a luz do dia também, a última notícia que tive deste projeto data de março de 2014.

Estamos vivenciando um período crítico na história do cinema, testemunhando a implosão de Hollywood, e nenhum estúdio teve uma implosão tão épica quanto a Sony Pictures Animation, as pessoas se lembrarão das bombas, dos tie in nos filmes, das franquias, mas eu prefiro lembrar do filme que se destaca sozinho no estúdio, Tá Dando Onda.

Espere um minuto…

Fuck you, Sony!

 

 

* Escrevi errado de propósito.