Por Joyce Pais

Filmes que exploram o universo adolescente chamam muito a minha atenção. Principalmente quando conduzidos com a honestidade que o tema demanda. Este é o caso de Lírios D´Água (2007), presente na Mostra “Um Certo Olhar” em Cannes, que infelizmente passou “meio batido” aqui no Brasil. Eu não sei quantas salas o filme conseguiu, mas lembro-me de vê-lo em cartaz em apenas uma em São Paulo, a do Belas Artes. Sendo assim, resolvi ‘resgatar’ essa pérola, a indicando em nossa coluna.

A diretora francesa Céline Sciamma fez sua estreia com o já citado filme que, basicamente, retrata a descoberta da sexualidade e a montanha-russa de sentimentos que caracteriza a vida de três jovens de 15 anos. Mas foi com seu segundo longa, o premiado Tomboy (2011), que ela alcançou, de fato, reconhecimento de crítica e público. Apesar da breve carreira, Sciamma já demonstrou (incluso seus curtas-metragens) ter predileções por temáticas que concernem essa fase tão delicada e, sobretudo, decisiva da vida.

Assim como no título original em francês, que seria algo como “O Nascimento dos Polvos”, as protagonistas da trama estão vivenciando mudanças e experimentando novos sabores nesse período de intensidades e desejos desabrochados.

No verão parisiense, quatro jovens vivem uma complexa teia de relacionamentos – Marie (Pauline Acquart) está apaixonada pela capitã da equipe de nado sincronizado, Floriane (Adele Haenel), que por sua vez está envolvida com o nadador galã François (Warren Jacquin), idealização da desajeitada Anne (Louise Blachère), melhor amiga de Marie.

O filme trabalha o tempo todo com uma tensão sexual contida, que se estabelece principalmente na relação obsessiva construída entre Marie e Floriane. A primeira, refém do seu desejo latente, e a segunda, segura e muito consciente do efeito que causa. Interessante constatar que a relação de poder e dominação em um relacionamento amoroso extrapola qualquer questão de gênero e/ou preferência sexual. Assim como vimos em Azul a Cor Mais Quente (2013), se trata pura e simplesmente de viver e encontrar, nesse percurso por vezes tortuoso, uma forma de conciliação entre diferentes maneira de olhar para o outro.

Impossível não comentar a ausência completa dos pais desses jovens no filme. Eles simplesmente não aparecem em uma cena sequer, o que, além de reforçar o isolamento, em outras palavras remete àquele momento em que a vida põe o dedo na nossa cara e fala: “você vai ter que lidar com isso sozinho”.

Cinemascope - Lírios D´àgua1

O estereótipo encarnado por Floriane é visto com compaixão por Sciamma. A jovem atraente (com aquele ar blasé que só as francesas são capazes de fazer) é vista pelas garotas da equipe de nado como promíscua, por despertar o desejo de garotos (e garotas) a sua volta; ao mesmo tempo em que ela se auto afirma sustentando um affair com François, por exemplo, sucumbindo às pressões que refletem também em suas expectativas pessoais.

Alguns dos meus momentos preferidos em Lírios D´Água são aqueles que se concentram na amizade de Marie e Anne. A dupla divide momentos genuínos que só seriam possíveis com aquela amiga que te conhece a ponto de te compreender com um simples olhar. Singelo e real.

Sem dúvidas, o trio sai completamente transformado no fim dessa jornada, mas sem deixar-nos esquecer de que essa foi apenas a primeira fase do jogo.

Ps: O próximo filme da diretora, ainda sem data de lançamento no Brasil, mas já com distribuidora, a Imovision, será Girlhood.

Veja o trailer: