Por Magno Martins

Como já disse uma vez o grande escritor britânico Oscar Wilde, “Life imitates art far more than art imitates life” (A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida), o filme Orações para Bobby (Prayers for Bobby), baseado em fatos reais, se encaixa perfeitamente no contexto dessa citação. Baseado na obra homônima de Leroy F. Aarons, o filme conta a triste história de Bobby Griffith (Ryan Kelley), um adolescente que descobre que é gay e enfrenta o preconceito de sua própria mãe Mary Griffith (Sigourney Weaver), que busca argumentos religiosos (em sua visão, considerados “plausíveis”), para condenar seu próprio filho pela homossexualidade.

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Mas vamos entender melhor a história, pois ela se repete, todos os dias, em milhões de famílias pelo mundo. Mary é uma típica mãe de família e trabalha de casa como costureira para ter mais tempo de cuidar de seus quatro filhos. Em diversos momentos, o amor de mãe prevalece. É perceptível a aproximação maior entre Mary e Bobby, sendo ele bem mais companheiro de sua mãe do que os demais irmãos. A religião é um dos pilares da família para a educação dos filhos e também dos pais, seguindo os dogmas da Igreja Presbiteriana dos EUA.

Diante de seus familiares, Bobby não demonstrava nenhum tipo de comportamento que levassem a acreditar sobre sua homossexualidade. Durante o filme, ele firma um relacionamento com Michelle (Ana Badalamenti), distanciando quaisquer dúvidas sobre sua heterossexualidade. Porém, Bobby sempre soube que era diferente dos demais garotos de sua escola, mas que não entendia muito bem o que era tal diferença. No decorrer de sua vida, ele começa a perceber do que se tratava e, aos poucos, foi se sentindo mal diante de sua situação perante sua família e sua namorada.

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Até que sua família descobre e toda sua vida vira um verdadeiro inferno, principalmente diante da negação de sua amada mãe protetora. A partir desse momento que o filme foca na relação conturbada entre mãe e filho diante de uma situação que exigiria mais compreensão do que discursos preconceituosos. E não, em momento algum no filme a mãe deixa de amar seu filho homossexual, mas o que ela não aceitava era sua própria homossexualidade. Desesperada para “ter seu filho de volta”, ela inicia uma série de tratamentos psicológicos, terapias e até mesmo busca ritos religiosos (alguns promovidos pela própria Igreja Presbiteriana)  para “curar seu filho”. Durante todo esse tempo, Bobby tenta o diálogo com sua mãe, mas as desculpas sempre vinham da religião. Ao questionar Mary sobre o motivo de tanto ódio aos gays, a mesma revela “Não sou eu, é a Bíblia!”.

Diante de todo o preconceito e insistência de “cura gay” da sua própria mãe, já que esta decide cortar relações com seu próprio filho, mesmo com a “aceitação” de seu pai e dos irmãos, Bobby resolve sair de casa para morar com seu recente namorado David (Scott Bailey). É um momento de libertação de todo um sofrimento causado pela sua própria mãe, pela incompreensão baseada em um livro considerado sagrado, onde Bobby busca apropriar-se de sua própria vida para então ter paz de espírito.

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Após diversos fatos em sua vida, somando ao rompimento das relações com sua família, uma tragédia acontece. E é a mesma tragédia que, infelizmente, é recorrente. Diante disso, o filme, que antes focava na dor da descoberta da sexualidade de um garoto, passa a abordar a dor da perda de uma mãe. E é esse contraponto interessante de todo o longa, que faz o espectador ver dois lados de uma moeda, que são manipulados pelo sofrimento, pela incompreensão e pelo preconceito sustentado por uma sociedade que busca, cada vez mais, distanciar pais de filhos, filhos de família por conta de “condutas morais”, digamos, ultrapassadas.

Então Mary começa uma jornada de muito sofrimento para entender o porquê daquela tragédia que abalou as estruturas de sua família tão bem constituída. Sua base de compreensão foi o diário deixado pelo próprio filho. O sentimento de culpa é evidente, mas os conceitos religiosos com os quais fora criada e criou seus filhos ainda persistiam em sua vida. Olhando por uma vertente diferente, tão pouco Bobby e Mary são culpados por tudo aquilo. São, exatamente, vítimas. Vítimas de si mesmos, vítimas de uma religião e de condutas morais que impõem o que cada ser humano deve ser. Mary vai vendo toda sua família dissolvendo diante da tragédia, fazendo com que ela sofra cada vez mais pela incompreensão dos fatos que trouxeram muitas vezes soluções, mas que ela não conseguia enxergar, mesmo com seus familiares mostrando que suas atitudes estavam erradas.

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E é tão triste ver o momento em que ela cai em sua realidade e tudo o que poderia ter evitado. Diante de toda sua história e de todo o seu sofrimento com sua família e, principalmente com seu próprio amado filho, Mary se torna uma ativista em prol da causa LGBT. É mais do que perceptível que ela não se torna uma ativista para compensar para sua família toda dor, mas sim de levar esperança aos milhões de ‘Bobbys’ pelo mundo que sofrem o preconceito e a discriminação por serem gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.

Dirigido pelo cineasta australiano Russel Mulcahy (O Escorpião Rei 2: A Saga De Um Guerreiro), o filme foi produzido somente para a televisão americana, sendo exibido um dia antes do Oscar em 2009. Orações para Bobby recebeu diversas indicações e premiações, como o Emmy Awards 2009, nas categorias de Melhor Atriz de Filme Televisivo (Sigourney Weaver) e Melhor Filme Feito para Televisão. Já no Globo de Ouro 2010 o filme recebeu a indicação de Melhor Atriz de Filme Televisivo (Sigourney Weaver).

Diante de todo o contexto que estamos vivendo atualmente, Orações para Bobby é um excelente filme para entendermos melhor diversas questões que rodeiam a discriminação, o preconceito e a homofobia. E sim, é um filme muito emocionante e é, praticamente, impossível não chorar diante da história de Mary e Bobby, condenados pela hipocrisia de uma sociedade e até mesmo da religião, onde o amor, que deveria ser também um ato de compreensão, torna-se uma série de regras infundadas e desrespeitosas. Altamente recomendado e apropriado!

Veja o trailer: