Por Rafael Werk

Não é de se admirar que André Bazin, um dos mais importantes críticos de cinema, tenha saudado a chegada de Jacques Tati às telas. Em seu texto “Monsieur Hulot e o tempo”, Bazin declarava que Tati era o único esforço original da comédia francesa em muitos anos. E era realmente. O sucesso foi estrondoso quando o filme foi lançado em 1953.

O personagem Hulot é a personificação do que ainda há de pueril nos adultos. Com seus quase 2 metros de altura e trejeitos perfeitamente desengonçados, Tati faz Hulot nos arrancar gargalhadas e uma certa melancolia.

Cinemascope - Les Vacances de Monsieur Hulot posterEm Les Vacances de Monsieur Hulot, o diretor Jacques Tati mostra o acontecimento das férias que leva as pessoas da cidade para uma pequena colônia na praia. O pai de família que não larga o trabalho, o militar reformado, o pseudo intelectual, o senhor estressado e o restante de uma suposta burguesia fazem parte de um grupo de pessoas que não deixa a liberdade florescer e está preso demais em seu papel urbano para aproveitar o momento. A chegada de Hulot (em qualquer lugar que seja) é uma afronta a todos os tratados silenciosos de tédio. O senhor de calças curtas, sem perceber, joga ao vento o acordo social de seus colegas e abre seu universo leve para quem estiver por perto. Os turistas, claro, desprezam a presença do homem. Ao não se desprenderem de seus personagens da cidade, é fácil imaginar como são suas vidas. Mas seria curioso adentrar na vida de Hulot nos outros 11 meses, nos quais poucos estão preocupados em viver.

À primeira vista, as cenas podem parecer desordenadas, porém, um olhar atento enxerga a sutileza com que esses esquetes se encaixam e se tornam independentes entre si sem perda de sequência no roteiro. As gags sutis e por vezes quase imperceptíveis não fazem o filme ser excludente. Ao contrário, a simplicidade traz uma estética delicada.

A comédia do francês não é apenas de alegria. O riso proveniente do humor de Tati é tristonho no fundo. Num (nosso) mundo onde não há espaço para erros, curiosidades e risadas infantis, o sorriso que nos toma a face com as atitudes de Hulot tem algo de decepção. Um ar de tristeza por não nos libertarmos do medo de sermos expostos perante outros; preocupação que nos nega a pureza de uma festa a fantasia com apenas mais algumas crianças.

Assim como os pequenos, a trilha sonora é um elo fundamental no filme. A música tema, “Quel temps fait-il a Paris”, não serve apenas como pano de fundo no longa. A sensação despejada no ouvinte é a de clima de férias; aquela que Hulot ousa quebrar apenas com sua presença. O que nos damos conta ao passar dos minutos, no entanto, é que a melodia conferida ao descanso dos viajantes é ilusória. A música que, no início, empresta suas notas para nos mergulhar no aparente universo de lazer dos turistas, converte-se na alma do tímido senhor. Hulot se torna dono do espírito transmitido pela melodia por ser o único ali que desfruta dos prazeres sem medo. Ao lado das crianças, claro.

Ouça Quel temps fait-il a Paris na íntegra:

Uma pena Tati retornar ao filme em 1978 para melhor acabamento sonoro e mudar a interpretação do tema. A versão de 1953 conferia um clima mais inocente aos desencontros. O tom de jazz singelo deu lugar ao orquestrado – diferente de Hulot. A justificativa de Tati era que a qualidade pretendida era impossível na época de produção. De fato, os efeitos sonoros melhoraram em qualidade, porém, é difícil afirmar se o filme é o mesmo. O Jacques Tati de 1978 não é aquele de 25 anos antes.

A obra, “revisada” ou não, é atemporal e tem cada vez mais um forte vínculo com o modo de vida moderno. Afinal, quem tem coragem de se libertar da couraça social?

Trailer: