Por Sttela Vasco

Ver algo belo e fantástico como o Cordel tomar vida e ganhar as telas do cinema é uma experiência quase transcendental. É o que A Luneta do Tempo, de Alceu Valença, faz com o seu espectador. Com sua primeira exibição aberta ao público tendo ocorrido em Gramado, o longa é cativante e envolvedor e traça um caminho à parte ao Kikito.

No sertão de Pernambuco, a batalha entre cangaceiros e soldados, tendo Lampião (Irandhir Santos) e Maria Bonita (Hermila Guedes) como personagens principais, se cruza com a história de três gerações que são atormentadas por brigas recorrentes entre irmãos. Contando e recontando a mesma história sob diferentes perspectivas, A Luneta do Tempo vai, ao mesmo tempo, costurando narrativas e destinos e fazendo uma viagem entre passado, presente e futuro.

Pegue tudo o que você conhece sobre o cinema nacional e coloque de lado. Aliás, pegue tudo o que você acredita que conhece sobre linearidade e realismo e deixe de canto. Para apreciar e compreender A Luneta é preciso estar com a mente completamente aberta e dedicar toda a sua atenção à obra, que é uma viagem à cultura brasileira e sua criatividade.

Por ser um cordel, gênero literário popular escrito frequentemente de forma rimada, a obra segue um ritmo completamente diferente e requer atenção e paciência do espectador. Musical, o filme conta com canções elaboradas pelo próprio Alceu e que são um agrado aos ouvidos. Típicas do agreste, transportam o público para a realidade fascinante da história narrada. A fotografia e o figurino são também um importante trunfo da obra. Ambos conversam com a história de tal forma que é difícil tirá-los do conjunto.

As atuações, principalmente a de Irandhir, merecem destaque. Elas conseguem mesclar o fantástico, o cômico e o dramático na medida certa e dão o tom final da obra. O número de personagens, de histórias e a forma como elas são contadas podem cansar àqueles menos preparados (ou que esperam algo típico das bilheterias recentes do cinema brasileiro). Porém, com um pouco de atenção é possível perceber a beleza do longa.

Valença levou 14 anos para conseguir concluir A Luneta. Falta de verba, entre outros problemas, atrasaram sua produção, mas, para a sorte do público, o filme saiu e é essa bela homenagem ao Brasil. Um grande adendo ao cinema nacional e um presente para o espectador.

Pouco antes de apresentar o longa, Alceu subiu ao palco e contou um pouco sobre sua saga para que o longa fosse realizado. Quase que em uma conversa entre amigos, o diretor estava confortável e falou por alguns minutos. “Ele esteve na minha cabeça durante 14 anos. Estava dentro de mim, da minha alma”, disse.

Antes de sair, ele deixou uma lição a todos aqueles que pretendem ingressar na sétima arte (ou em qualquer outra arte que for). “Todo artista tem um pouco de loucura”. Que sejamos loucos como você então, Valença.

*Crítica publicada originalmente como parte da cobertura do 42° Festival de Cinema de Gramado.

A Luneta do Tempo

Ano: 2014

Direção: Alceu Valença

Roteiro: Alceu Valença

Elenco Principal: Hermila Guedes, Irandhir Santos, Ceceu Valença.

Gênero: Drama, Faroeste.

Nacionalidade: Brasil

 

Veja o trailer: