Por Joyce Pais

A Memória que me contam não poderia surgir em um momento mais oportuno. Enquanto manifestações populares reverberam por todo o país levantando questões políticas que evidenciam as conseqüências atuais de um passado que não está tão distante como poderíamos supor, o novo longa de Lucia Murat está intimamente alinhado com iniciativas como a criação da Comissão da Verdade, em 2011, que pretende revelar os atos contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura.

O longa, que a princípio se chamaria Sala de espera, conta a história da ex-guerrilheira Ana (Simone Spoladore), ícone do movimento de esquerda, que passa seus últimos dias de vida numa cama de hospital, onde seus amigos, resistentes da ditadura militar no Brasil, se reúnem. Entre eles está Irene (Irene Ravache), uma diretora de cinema que se sente perdida diante da iminente morte da amiga e que precisa ainda lidar com a inesperada prisão de Paolo (Franco Nero; “Django” do western italiano), seu marido, acusado de ter matado duas pessoas em um atentado terrorista ocorrido décadas atrás na Itália.

A personagem Ana é baseada em Vera Sílvia Magalhães, ex-guerrilheira e uma das responsáveis pelo sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick no Rio de Janeiro, em 1969. Considerada um mito pela esquerda brasileira e amiga de Lucia Murat, Vera faleceu em dezembro de 2007. Lúcia Murat (Uma longa viagem) revisita seu primeiro longa, Que bom te ver viva (1988), também protagonizado por Irene Ravache, e inspirado na própria história da diretora, que foi presa política e torturada.

A memória que me contam fala, principalmente, de conflito. Conflitos internos, emocionais, geracionais. Trata-se de uma memória mediada por aqueles que vivenciaram o período da ditadura brasileira bem de perto e hoje constatam fatidicamente o fim da utopia que, para esse grupo, pode significar o absoluto fracasso de suas lutas. Outrora, inseridos naquele contexto, agora, distanciados, são capazes de enxergar parte de seus erros e contradições.

No longa, Ana sempre aparece jovem e em fantasia para cada personagem, a diretora optou por ocultar a imagem da personagem na velhice, em estado terminal, conferindo à Ana maior mistério e complexidade, nos forçando a enxergá-la pelos olhos e impressões de cada membro daquele grupo de amigos, assim como um mosaico. “A decisão de deixar Ana eternamente jovem partiu da dificuldade que temos em decifrar um mito. Ana ficará na história com a sua beleza. Ela é a síntese de todas as contradições de sua geração”, justifica.

Aqui entram os personagens jovens, Eduardo (Miguel Thiré), filho de Irene, e Gabriel (Patrick Sampaio), filho de Ricardo (Otávio Augusto), a dupla, que forma um casal gay, questiona e enxerga aquele período de maneira antagônica a visão de seus pais, expondo em cada comentário crítico as falhas e a derrota da geração que os antecedeu. A memória que me contam é “A história da utopia diante do poder, diante das fragilidades, dúvidas e feridas íntimas daqueles que seus filhos ainda consideram como ‘heróis’”.

 

A memória que me contam posterA memória que me contam

Ano: 2013

Diretor:  Lucia Murat.

Roterista: Lúcia Murat, Tatiana Salem Levy.

Elenco Principal: Simone Spoladore, Irene Ravache, Otávio Augusto, Franco Nero, José Carlos Machado. 

Gênero: Drama

Nacionalidade: Brasil

 

 

 

 

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