Por Jenilson Rodrigues

O escritor inglês Aldous Huxley, em 1954, já descrevia em seu ensaio intitulado As Portas da Percepção suas experiências com a mescalina, um alucinógeno natural extraído de um cacto mexicano. Tais experimentos serviam mais para a expansão da consciência do que qualquer outro fim. Em Attila Marcel, o que a Sra. Proust (Anne Le Ny) oferece a Paul (Guillaume Gouix) – através de suas misteriosas infusões – funciona de forma semelhante. Além do alargamento da percepção, as sessões pelas quais Paul começa a ter contato a partir do momento em que adentra o apartamento da Sra. Proust, servem como um elo entre ele e sua vida, de fato. É como se houvesse um processo de rememoração, reconstruindo seus pensamentos a partir de uma concepção menos negativa e mais aproximada do que ele acreditava ser real.

O diretor Sylvain Chomet consegue mais uma vez dar vida a uma história aparentemente simples e triste (mesmo se tratando de uma comédia), mas contada de forma lúdica, se aproximando bem mais da idealização humana a respeito do que se tem contato a partir de algo que se ouve por outra pessoa, ao invés de se ater simplesmente as imagens que atravessam a retina. Em As Bicicletas de Bellevile (2003), o diretor já demonstrava grande parte dessa sensibilidade usada para transpor à tela algo mais do que uma narrativa apoiada em princípio, meio e fim. Em alguns momentos é possível até mesmo se recordar das inusitadas e bem estranhas cenas de A Espuma dos Dias (2013), de Michel Gondry, apesar da disparidade entre os estilos de Gondry e Chomet.

Paul vivia em mundo cinzento, coberto por uma névoa que o impedia de enxergar sua trajetória entre passado, presente e futuro. Uma vida automática guiada por duas tias que o conduziam por caminhos que achavam ser ideais, sem saberem de fato dos anseios e ambições do jovem. O que pode diferenciar suas parentas da madrasta má do conto Cinderella, de Charles Perrault é que, ao serem incapazes de enxergar além de suas convicções, elas demonstram mais incompetência do que crueldade. Paul não falava desde que aprendeu a falar e suas tias não conseguiam ver através dos olhos verdes dele a centelha de esperança que habitava aquele ser.

A porta do quarto com o nome Proust acaba funcionando para Paul como um portal para outro universo. Surpreendentemente, o filme consegue conduzir o espectador por um ambiente completamente diferente do espaço lúgubre ocupado na maior parte do tempo pelo protagonista. O mais inusitado, porém, é descobrir esse recinto mágico a alguns metros desse espaço entediante antes frequentado rotineiramente por Paul.

Além do excêntrico apartamento da Sra. Proust, outra experiência pitoresca é a de encarnar um bebê. Isso se torna mais estranho nas passagens de mergulho nas memórias do protagonista, onde além de vivenciar seus momentos de infância, é possível penetrar ainda mais fundo nos seus pensamentos, já transferidos para a sua mente pueril.  Entre revelações alucinógenas, aulas de música e dança e personagens exóticas, o filme vai ganhando ritmo sem provocar ansiedade pelo desfecho.

Paul não fala e tampouco expressa muitas emoções. Ainda assim, viajar pela sua memória pode acabar se tornando uma experiência capaz de fundir o real e o imaginário através do uso de elementos necessários para direcionar os pensamentos para uma perspectiva mais agradável e palpável, capazes de conectar a mente a algo tão real que dificilmente os sentidos básicos do ser humano seriam capazes de captar.

Attila Marcattilamarcelposterel

Diretor: Sylvain Chomet

Roteiro: Sylvain Chomet

Elenco Principal: Anne Le Ny, Bernadette Lafont, Cyril Couton, Guillaume Gouix

Gênero:Comédia

Nacionalidade:  França

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