Por Sttela Vasco

Logo que anunciaram Festa no Céu (The Book of Life) e, na sequência, Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno) como produtor, surgiram comentários que o nome do famoso diretor mexicano só havia entrado na jogada para alavancar a produção e fazer com que ela ganhasse mais notoriedade. Engano. Bem construída e encantadora ao estilo do mexicano, a obra, que é assinada por Jorge R. Gutierrez, vai muito além do nome famoso e não deixa nada a dever para os fãs de Del Toro. Caprichada, a história envolve e emociona o espectador, atingindo públicos das mais diferentes idades e gostos.

Durante uma visita a um museu, um grupo de crianças conhece a história de Manolo (Diego Luna), Joaquim (Channing Tatum) e Maria (Zoe Saldana), três amigos de infância que acabam se envolvendo em um triângulo amoroso em plena festa do dia dos mortos. Para provar seu amor e conquistar Maria, Manolo precisará passar pelo mundo dos vivos, dos esquecidos e dos lembrados, contando com a ajuda das mais curiosas e divertidas figuras.

A princípio, o longa é uma homenagem a uma das mais tradicionais celebrações mexicanas: o dia de Santa Muerte, quando festas são feitas por todo o país pelas famílias para homenagear seus mortos. E é ela que permeia a história de Joaquim, Maria e Manolo. Ao mesmo tempo em que acompanhamos o trio, somos apresentados à beleza que é o dia dos mortos no México.

A riqueza cultural do país como um todo, aliás, é amplamente trabalhada pelo filme. Ora de forma mais explícita, ora mais sutil, somos pouco a pouco apresentados aos elementos que permeiam a história e tradição mexicana. Temos desde violeiros até a famosa “lucha libre”, passando por traços da cultura espanhola que acabaram por deixar vestígios no México, como as touradas – que é, aliás, um dos pontos centrais da trama.

A transição entre “mundo real” à história contada pela guia do museu às crianças é feita de maneira inteligente. Se em uma temos personagens que se assemelham ao máximo aos seres humanos, em outra eles lembram bonecos de madeira – os mesmos utilizados pela guia no momento em que narra o conto. Em ambos os casos, o acabamento é impecável e a mistura de cores faz com que sejamos convidados a nos envolver mais pela narrativa.

Além da beleza estética, é preciso dar créditos ao roteiro. Cada personagem precisa superar seus próprios obstáculos para alcançar seus objetivos. Joaquim, por exemplo, vive à sombra da fama do pai, o herói da cidade que morreu lutando contra o mais temido dos ladrões da região. Manolo, por sua vez, está entre atender às expectativas da família e ser um toureiro ou seguir seu sonho, viver da música.

E temos Maria, a protagonista feminina da trama. Muito bem elaborada, ela é uma menina à frente de sua época. Rebelde, feminista, vegetariana e destemida, ela é tão heroína quanto os outros personagens e uma líder nata. O longa merece elogios só por construir tal personagem. Maria luta por sua cidade, por seus direitos, não tem medo de se impor e não aceita que o pai imponha com quem ela deve se casar – traços que marcaram e trouxeram fama à Merida, de Valente, da Pixar.

Outro ponto a se destacar no filme é sua trilha sonora. Conduzida por Gustavo Santaolalla – ganhador do Oscar 2005 com O Segredo de Brokeback Mountain e 2006 com Babel – ela ajuda a fazer com que o espectador entre de vez na história. Viajando por clássicos como Can’t Help Falling in Love With You, conhecida na voz de Elvis Presley, ou hits do pop atual, o longa faz versões belíssimas de várias músicas que se alinham bem ao roteiro e conduzem de maneira acertada cada cena. É quase impossível não se emocionar, por exemplo, na ótima sequência em que Manolo e Joaquim, ainda crianças, cantam a ótima I Will Wait, do Mumford & Sons. De fato, Festa no Céu é encantador e pelos mais diversos motivos.

Apesar de voltado ao público infantil, Festa tem mensagens claras ao público adulto, inclusive no humor. Várias das piadas serão mais bem compreendidas pelos mais velhos. A animação também faz refletir, de maneira sutil, sobre os mais diferentes temas como direito dos animais, feminismo e a pressão que muitas vezes os pais exercem sobre seus filhos para serem algo que não são ou seguirem tradições que não concordam.

Alguns talvez encontrem traços típicos de Tim Burton na obra – uma cena em especial me lembrou bastante o momento em que os mortos veem seus parentes ainda vivos em A Noiva Cadáver -, mas seria injusto reduzi-la a tal comparação. Festa tem um frescor próprio, uma magia própria. Nem Disney e nem Burton, ela segue seu próprio estilo e consegue se destacar no meio das várias animações que vêm bombardeando o mercado neste semestre. Arrisco-me a dizer que esta é uma das melhores do ano.

Cinemascope - Festa no Céu posterFesta do Céu (The Book of Life)

Ano: 2014

Direção: Jorge R. Gutierrez

Roteiro: Jorge R. Gutierrez

Elenco: Zoe Saldana, Diego Luna, Channing Tatum

Gênero: Animação, comédia, aventura

Nacionalidade: EUA

 

 

 

 

Veja o trailer:

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