Um filme da Guatemala, produzido por um americano, dirigido por um chinês, escrito pelos dois e com todo o elenco de não-atores e restante da equipe guatemalteca. Tudo isso para dizer que o afeto da obra é algo que vai além de nacionalidades ou grandes efeitos especiais. A complexidade do longa, que chegou a ser o vencedor do Queer Lion (prêmio de melhor filme LGBTQ+ no Festival de Veneza) deste ano, está justamente na simplicidade e cuidado com que a história é contada.  Elementos considerados detalhes são trabalhados habilmente, conquistando o espectador que não vê outra opção senão embarcar e dividir os sentimentos com o protagonista.

Assistindo José, lembrei do amor e cumplicidade que nunca senti, mas também da solidão com que vivo diariamente. O filme vai contra muitas fórmulas do cinema queer em que mostra ou um final feliz ou então trágico. Os acontecimentos e a conclusão da história são trabalhados de forma madura e realista, sem fantasiar ou deixar o personagem viver um paraíso ficcional. Sua dura realidade é cena a cena, mostrada a partir de seu cotidiano e de sua possível história de paixão. José é funcionário de um restaurante que entrega lanches nos carros das pessoas. Certo dia, começa a ter relações com um rapaz que se desenrolam cada vez mais para algo além do sexo. No entanto, ele também enfrenta os problemas de ser, além de homossexual em um país fortemente conservador, um cidadão comum e pobre do qual a mãe depende.

Para a realização da obra, o diretor e o produtor foram em dezenas de países na América Latina entrevistando LGBTQ+’s para entender a realidade de ser homossexual em outros locais que não seus países natal, China e Estados Unidos, respectivamente. Após o trabalho de pesquisa, com teor quase antropológico, os dois se juntaram e escreveram o roteiro. Outro grande destaque é o excelente trabalho de direção de atores, não tendo nenhum ator profissional na equipe, Enrique Salanic consegue transmitir a tensão e agonia de seu personagem de forma honesta e sincera e a dupla com Manolo Herrera conseguiu estabelecer uma ótima dinâmica e química entre os personagens, além da mãe que é tão natural que chega até evocar certo teor documental.

Os planos de José são construídos equilibradamente de forma a dar certo alívio aos olhos.  A câmera estabelece uma dinâmica de movimento que muitas vezes se posiciona quase como um jogo visual, como nos planos abertos de cima com carros e fios de energia elétrica se cruzando com os movimentos das pessoas na rua. Dois planos que acabam por ser o destaque da obra são de José e Luis na moto trazendo todo o carinho daquele momento em que o amor parece ser eterno e também o de José correndo na rua trazendo toda a solidão e angústia der ser LGBTQ+ em uma sociedade como a atual, além de estar em um país conservador como a Guatemala.

José pode não ser a obra mais profunda e enigmática do cinema atual, mas é na espontaneidade e sinceridade que consegue transmitir além de uma história sobre um relacionamento, mas o cotidiano de um jovem gay, seus medos, suas angústias e o desespero que todos temos, fazendo da obra uma história universal sobre um ser humano.

*este texto faz parte da cobertura da 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

José

José

Ano: 2018
Direção: Li Cheng
Roteiro: Li Cheng, George F. Roberson
Elenco principal: Enrique Salanic, Ana Cecilia Mota, Manolo Herrera
Gênero: ​Drama
Nacionalidade: Guatemala

Avaliação Geral: 4,5