Por Domitila Gonzalez

Numa época em que os sentidos estão saturados de informações e a produção cinematográfica está sempre nos apresentando e apostando em novidades sensoriais, como filmes 3D e animações 4D em museus e parques no exterior, somos surpreendidos por algumas pérolas que nos fazem acreditar que ainda é possível fazer cinema-arte.

Evoluir não necessariamente significa negar o pensamento anterior. Vivemos décadas inconscientemente admirando sucessos tecnológicos que nos levam cada vez mais fundo na experiência de ir ao cinema. Acompanhamos o desenvolvimento da arte da filmagem, e quando paramos para pensar, passamos de Nosferatu (Murnau, 1922) a Avatar (James Cameron, 2009) num piscar de olhos, trocando negativos por discos com alto poder de armazenamento e nos deixando encantar por imagens produzidas por computador.

O que vemos em O Artista é uma regressão fantástica da equipe técnica, não no sentido de perda, mas de pesquisa e aprofundamento até mesmo no que diz respeito ao modo com que este longa chegaria até nós, porque a estranheza que nos causa, hoje, ir assistir a um filme mudo nas supermodernas telas de cinema é a mesma que a estrela do cinema mudo George Valentin (Jean Dujardin) teve ao reconhecer o sucesso que os atores falantes alcançariam no cinema do começo da década de 30.

O Artista é um filme inteiramente novo, produzido nos formatos dos filmes antigos. Talvez seja esse o segredo. Não é o tipo de obra de arte que temos que mastigar para deglutir. É um filme feito para os nossos tempos, portanto digerimos com facilidade e prazer.

O que consegue me encantar verdadeiramente no cinema de hoje não são os filmes épicos e cheios de inovações, mas os que são feitos de maneira diferente. É quase como se eu não quisesse ser surpreendida pelo contorcionista do Cirque Du Soleil que põe os pés na cabeça, mas pelo palhaço que chora espirrando água na plateia: tem tudo para dar errado, mas nos diverte e emociona.

A graciosidade de Peppy Miller (Bérénice Bejo) fica evidente desde a primeira cena, na qual a personagem nos conquista – e ao protagonista também – com um sorriso. O charme de George Valentin nos convida a dançar e o Oscar de Melhor Cão com certeza vai para Uggy, que atuou brilhantemente ao lado de Dujardin.

Michel Hazanavicius já tinha chamado a atenção do público francês em 2006 com o filme Agente 117, seu segundo longa-metragem como diretor. Mas o sucesso mundial veio com O Artista e suas 10 indicações para o Oscar, incluindo melhor filme, melhor ator, melhor atriz coadjuvante, direção e roteiro original – que levam o nome de Hazanavicius.

Todas as cenas são muito bem coreografadas e percebemos isto em fragmentos como a primeira filmagem de Peppy e George, no salão de dança. Algumas sequências, no entanto, chamaram mais a atenção do que outras. O pesadelo com som de George Valentin já nos revela a sutileza com que o tema é tratado. Afinal nada pode ser mais assustador para um ator tradicional do cinema mudo do que perder mercado para futuros tagarelas. Tudo nos assusta, é alto demais, em contraste com o ritmo que o longa vinha traçando até aquela cena.

Outra sequência incrível é o encontro de Peppy com um terno de George no camarim dos estúdios. É o que eu digo sobre ser surpreendida com algo simples feito de maneira nova: eu já havia visto uma cena assim. Quase exatamente assim. Em Alegria (Cirque Du Soleil, 1994) um dos palhaços interage com um terno pendurado em um mancebo da mesma maneira que Miller. Mas a doçura com a qual a atriz abraça o terno e faz com que ele a abrace de volta é o que faz valer o sorriso de quem vê.

Isso sem falar no final, que fecha o enredo do filme costurando a sequência de fatos evolutivos da história do cinema de forma brilhante: das cenas chapadas, com o ator entrando e saindo de quadro como no palco do teatro, aos travellings e closes, à introdução não somente da voz falada, mas do canto, da dança e o começo do boom dos musicais. Se você é fã do gênero, não há como ver a última cena e não lembrar de Fred Astaire e Ginger Rogers, dois diamantes que a década de 30 nos presenteou.

Por último, não dá pra considerar um filme mudo sem também entregar os louros ao responsável pela trilha sonora. Ludovic Bource fez um trabalho incrível de condução de cenas, nos fazendo entender com a música cada palavra omitida pelos atores.

Enfim, O Artista é tudo isso que estão falando – e mais um pouco. É um exercício maravilhoso de concentração, para quem vive com os sentidos sendo estimulados ao máximo, todos os dias. É o entretenimento do sábado à tarde, o filme para pensar da quarta-feira à noite e um deleite histórico para os cinéfilos de plantão. Mas acima de tudo é o trabalho impecável de um diretor que soube interpretar a realidade em que vive e fez reverberar de forma inteiramente nova sua paixão pelo cinema mudo.

 

Cinemascope---O-Artista-PosterO Artista (The Artist)

Ano: 2011.

Diretor: Michel Hazanavicius.

Roteiro: Michel Hazanavicius.

Elenco Principal: Jean Dujardin, Berenice Bejo, John Goodman, James Cromwell.

Gênero: Comédia.

Nacionalidade: França/Bélgica.

 

 

 

Veja o trailer:

[youtube]AXEna6OX49A[/youtube]

Galeria de Fotos: