A proposta da animação Touro Ferdinando não é inovar em uma narrativa engenhosa que tenha apelo para todas as idades. O novo trabalho de Carlos Saldanha busca principalmente encantar o público infantil, por meio de personagens carismáticos e de uma mensagem que é clara e simples desde o início: siga a sua própria personalidade e não ligue para o que os outros pensam. O filme é uma grande produção, mas que – paradoxalmente – incita uma sentimento de frugalidade. Não espere os arroubos dramáticos de um Toy Story 3, nem a metalinguagem de um Tá Dando Onda, ou roteiro hábil de Divertida Mente. Mas, ainda assim, espere uma ternura simples nessa fábula construída por Carlos Saldanha.

Touro Ferdinando é inspirado no livro de Munro Leaf – que já foi adaptado pela Disney em um curta clássico de 1939. Mas a nova animação não se trata de uma adaptação. Como comentou em entrevista a Isabela Boscov, Saldanha buscou ser fiel ao sentimento do livro, mas expandiu a história em um intenso trabalho de criação. No filme, Ferdinando é um touro que desde pequeno não gosta de violência e prefere ficar próximo de flores. Depois que seu pai não retornou de uma tourada, ele foge e acaba em uma fazenda, onde é criado até se tornar um grande touro. No entanto, ao sair para a cidade, ele é picado por uma abelha, causando caos na região. Ferdinando então é levado para o criadouro de onde havia fugido, até decidir sair de lá novamente, mas agora junto com seus novos amigos. A trama é simples e direcionada principalmente ao público infantil. E de maneira certeira, diga-se de passagem (na sessão onde assisti o filme, as gargalhadas das crianças eram mais altas do que os diálogos).

Muitas informações foram acrescentadas em relação à animação da Disney, dando uma impressão de “encheção”, principalmente ao se pensar em alguns personagens, que parecem surgir mais como figuras fofas criadas para arrancar risadas rápidas. A disputa de dança entre os cavalos e os bois no meio do filme exemplifica bem esse efeito. No entanto, houve ótimas ampliações. A história do pai de Ferdinando, morto em uma tourada, fornece uma sólida motivação ao protagonista, colocada de forma simples logo no inicio, mas que é rememorada, na medida certa, em outros momentos.  O acréscimo mais acertado foi o da personagem Nina, uma cabra verborrágica que se torna a companheira mais próxima de Ferdinando no seu retorno ao criadouro, sendo uma espécie de versão mais debochada e histérica do Burro de Shrek. Em meio a tantos bichinhos fofos, ela é a personagem com mais personalidade, ajudando Ferdinando mas também repleta de defeitos deliciosos – tudo em meio a uma sinceridade marcante (talvez escandalosa demais).

O design dos personagens são certeiros, apresentando claramente traços de suas personalidades: as olheiras e os dentes salientes de Nina externalizam bem como ela é uma conselheira experiente, ainda que imperfeita, e a postura pomposa do toureiro Matador o coloca em uma posição cômica por si só – como quando desliga o carro de forma exagerada. E sem dúvida o design de Ferdinando, já touro, é um dos mais encantadores. Ele é o maior personagem em tela durante grande parte do filme, mas ainda assim não perde a sua ternura visual – tanto pelos olhos singelos, quanto pela forma como se movimento em cena. Tal característica tem bons efeitos cômicos – como quando ele tenta, com as patas, fazer uma reanimação cardiorrespiratória em um coelhinho rosa – e também dramáticos – como quando ele simplesmente se senta em silêncio no meio da arena diante do pequeno toureiro Matador, claramente em desvantagem.

Talvez expressões como “filme para toda família” ou “ótima pedida para as férias de verão” sirvam bem para os comentários sobre O Touro Ferdinando. A força do trabalho não está nos momentos em que se dirige aos nossos tempos, pois quando tenta ser novo, com referências modernas, o ritmo e enredo ficam arrastados e mal resolvidos. Porém, quando o foco é esse conflito de personalidade inerente à nossa formação como indivíduos, o filme é eficiente e pode encantar crianças e quem mais estiver disposto a abraçar a sua proposta . Talvez não seja a maior aposta para a temporada de premiações, mas não perde o seu valor como bom entretenimento.

O Touro Ferdinando

O Touro Ferdinando (Ferdinand)

Ano: 2018
Direção: Carlos Saldanha
Roteiro: Ron Burch, David Kidd, Don Rhymer, Robert L. Baird, Tim Federle e Brad Copeland, inspirado em livro de Munro Leaf e Robert Lawson.
Elenco principal: John Cena, Kate McKinnon, David Tennant
Gênero: ​Animação, Comédia e Aventura
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: