Por Sttela Vasco

A princípio, Pecados Antigos, Longas Sombras (La Isla Mínima), dirigido por Alberto Rodriguez, pareceu para mim como um livro de Sidney Sheldon que havia ganhado sua adaptação cinematográfica. Com desenvolvimento lento, algumas reviravoltas e um final não tão esclarecedor (ou feliz), o longa seria a representação perfeita de alguma obra do escritor norte-americano. Mas não é, e necessita de uma dose de conhecimento histórico para que se perceba isso. Mais do que um thriller policial, o filme retrata o drama de um país que se vê divido entre um passado cruel e um futuro incerto e precisa se desprender dos fantasmas de uma longa ditadura. Ganhador de 10 Goya, importante premiação cinematográfica espanhola, o longa é uma boa produção do cinema espanhol, mas requer paciência e atenção para ser apreciado.

A história se passa em um pequeno povoado que parece ter parado no tempo. Lá, duas irmãs adolescentes desparecem na noite de um festival e uma investigação é aberta para tentar desvendar o caso. Para isso, o veterano Juan (Javier Gutiérrez) e o aspirante a herói Pedro (Raúl Arévalo) são chamados de Madri para cuidar da questão. Ambos, então, precisam lidar com seus próprios problemas pessoais e suas diferenças para poder encontrar uma resolução para esse mistério.

O longa começa com tomadas aéreas no estilo satélite que tornam a aparecer durante todo o tempo, elas nos dão, ao mesmo tempo, certa sensação de liberdade, mas também angústia. Quilômetros e quilômetros sem fim, pouco habitados, quase perdidos no mundo. Esse sentimento incômodo acompanha o espectador ao longo das quase duas horas de filme e transmite o que provavelmente boa parte da população desse pequeno povoado sente.

O cenário em si já revela o conflito vivido pelo país. O povoado é um local desbotado, esquecido no mapa e que carrega certa tristeza consigo. Apesar da densidade e da ótima fotografia – o filme todo segue em tons apagados, como se a imagem estivesse desbotada, justamente como a vida de seus personagens – Pecados Antigos não tira sua força das sequências de ação, que são quase caricatas, mas sim de sua dualidade.

Há o pano de fundo histórico com uma Espanha de 1977/1978 que tenta se adaptar à democracia após o duro período regido por Francisco Franco e se renovar em meio a um passado violento ainda muito presente e há também, em meio a isso, uma rixa entre o velho e o novo, o rigor e a rebeldia, o ortodoxo e o herege. Isso se apresenta nos detalhes mais simples do longa, em suas falas (em determinado momento do longa, o chefe de Juan e Pedro os lembra que agora estão em uma democracia), em seus personagens. Logo, era de se esperar que estivesse em seus protagonistas também.

Por muitas vezes, Juan e Pedro seguem a linha bad cop, good cop. Enquanto um é adepto a métodos violentos e não mede consequências para alcançar seus objetivos, o outro tenta seguir as regras na medida do possível e prefere correr por fora para conseguir o que quer. Juan quer encerrar logo sua carreira, Pedro tem aspirações de ser uma espécie de herói. Ambos são complexos a sua maneira. Pedro está para ter um filho, tem sonhos e crenças ainda inabaláveis. Juan tem um passado sombrio, repleto de pecados e gera grandes suspeitas. Esse conflito de valores e métodos entre ambos gera desconfiança e uma tensão à parte no longa, mas não chega a ser bem desenvolvida.

Aliás, o desenvolvimento é um dos pecados da obra. Com um roteiro extremamente lento até depois da metade, Pecados tenta explicar e desenvolver tudo no fim e por várias vezes se perde. Algumas sequências parecem um tanto perdidas e não colaboram com o conjunto, fazendo com que quem busca o thriller se sinta decepcionado.

O longa ainda arranha a superfície de temas como a sexualidade e a submissão da mulher (Carmen e Estrella, as jovens desaparecidas, eram consideradas ”fáceis” por seguirem suas vontades e chegaram a ter seu desaparecimento justificado por isso), outro conflito que essa nova Espanha precisa lidar, mas de uma forma bastante sutil que acaba se perdendo em meio a tantas outras questões trabalhadas pelo roteiro.

Um dos momentos mais intrigantes, e possivelmente o ponto alto do longa, ocorre justamente ao final, quando nos pegamos questionando algumas ações, perguntando se tudo não passa de teorias criadas por nós mesmos ou se há algo a mais por trás daquela história. Pena a obra como um todo não ter o tom que teve em seu fim. Há quem diga que Pecados bebeu da fonte de True Detective, de Cary Fukunaga, é possível. Como thriller ou policial, ainda precisaria beber de tantas outras mais. Ainda bem, então, que não se trata apenas disso.

Pecados Antigos, Longas Sombras

Pecados Antigos, Longas Sombras (La Isla Mínima)

Ano: 2014

Diretor: Alberto Rodriguez

Roteiro: Alberto Rodriguez

Elenco Principal:  Raúl Arevalo, Javier Gutiérrez, Antonio de la Torre

Gênero: Policial, Suspense

Nacionalidade: Espanha

 

 

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