Por Frederico Cabala

No início de fevereiro de 1964, momentos antes dos Beatles aterrissarem pela primeira vez em solo norte-americano, o locutor de uma grande rádio assim anunciava a chegada: “Agora são 6h30, a.m., hora-Beatle. Eles saíram de Londres há 30 minutos e estão nesse momento sobrevoando o Oceano Atlântico em direção a Nova York. A temperatura é de zero graus-Beatle”. A comparação do quarteto como unidades de tempo e temperatura é uma boa medida da atmosfera de euforia na qual viviam os Estados Unidos, depois resumida em uma única palavra: beatlemania. A legião de seguidores começou a se formar ainda em 1963, na Inglaterra, mas foi durante os anos de turnê mundial dos Beatles, de 1964 a 1966, que a histeria coletiva atingiu dimensão nunca antes vista no pop e impulsionou os fab four à posição de banda mais famosa do mundo. É nesse curto, porém rico, período que o documentário The Beatles: Eight days a week  The touring years se mantém.

Essa é uma história batida. Todo mundo já viu em imagens aqueles gritos de fãs, o choro, a correria, os policiais segurando pessoas que desmaiam, enfim, todas as cenas da beatlemania parecem já ter sido suficientemente exploradas. Aliás, a série documental Anthology, lançada em 1995 em oito episódios que somam mais de 10 horas, parece ter exaurido definitivamente o tema. Que engano nosso. O mérito de Eight days a week, talvez bastante em função de seu diretor Ron Howard ser fã desde criancinha da banda, reside em enxergar novidades onde parecia só haver repetição.

Em pouco mais de duas horas de projeção, o longa é convencional na forma, seguindo uma ordem cronológica e sobrepondo entrevistas a imagens, mas apresenta um inusitado ângulo em termos de conteúdo. Ao invés de vermos os mesmos famosos personagens falando daqueles anos intensos, o documentário tenta captar o espírito da época por meio de entrevistas com os fãs que iam aos shows, corriam, gritavam e desmaiavam naquele período. Não que o núcleo duro dos Beatles não esteja presente, pois há muitas falas de Paul, Ringo, George e John, e também do produtor e do empresário. Entretanto, a qualidade maior da projeção está em trazer o ponto de vista do público que formava aquele furacão humano. Por isso, até mesmo nos momentos de apresentação ao vivo, com imagens e áudios incrivelmente restaurados, Ron Howard prefere destacar também o comportamento de plateia. O som dos concertos é apresentado em paridade com o barulho das pessoas numa tentativa de naturalizar o que seria futuramente histórico, como se nós estivéssemos realmente boquiabertos naqueles teatros e estádios.

Outro elemento surpreendente trazido pelo filme é o papel dos Beatles como elemento congregador em locais marcados pelo racismo. Constava em uma cláusula do contrato que eles não tocariam onde houvesse segregação da plateia — o que no sul dos EUA era usual ocorrer. Chama atenção a maturidade de um Paul McCartney com 22 e poucos anos deixar claro: “Segregação é estupidez, não queremos isso nos shows, não se pode tratar pessoas como animais”. E é comovente o relato de Whoopi Goldberg, quando relembra o que respondia quando a questionavam sobre gostar de quatro rapazes brancos: “Mas eles são os Beatles, não têm cor”. Também nesse sentido, a historiadora Kitty Oliver conta que a primeira vez em que ela compartilhou o mesmo ambiente com brancos foi durante um show da banda.

Dessa maneira, o documentário nos embala e nos transforma em testemunhas de uma história frenética. Os Beatles fizeram 250 apresentações entre 1963 e meados de 1966, em quatro diferentes continentes, estrelaram dois filmes e tinham contrato de produzir um EP a cada três meses e um novo álbum inteiro a cada seis. Era “working like a dog” mesmo, sete dias da semana era pouco. Como não podia deixar de ocorrer, a euforia dos garotos se exauriu e o refrão de Help foi um grito de basta. As apresentações ao vivo dos Beatles cessaram, e o mais legal de tudo é que, no fim das contas, eles ficaram maiores. O fim dos shows leva o grupo a trabalhar mais em estúdio e criar pérolas como Sgt. Peppers. O documentário Eight days a week mostra como aqueles anos de turnê foram demais, mas também como eram só um começo rumo ao topo, simbolizado concretamente com o rooftop concert.

Após os créditos finais, o documentário exibe um dos shows mais emblemáticos da banda, no Shea Stadium de Nova York, em edição remasterizada.

Eight days a week fica em cartaz no Brasil somente até este domingo. Por ser lançamento especial, vai durar aqui apenas quatro dias da semana e o preço dos ingressos está mais elevado, mas vale cada nota.

 

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The Beatles: Eight days a week — The touring years

Ano: 2016

Direção: Ron Howard

Roteiro: Mark Monroe, P.G. Morgan

Elenco principal: John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison

Gênero: Documentário

País: Inglaterra, EUA.

 

 

Trailer:

 

 

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