Escrever sobre Thelma é como caminhar por um terreno delicado, pelo simples fato de ser um daqueles filmes que você realmente precisa assistir para apreciar. Uma história intrigante filmada de maneira belíssima, com toques de horror e suspense. É como se o longa fosse uma espécie de Carrie dirigido por Ingmar Bergman.

Esse é também um daqueles filmes que são melhor saboreados se você não souber muito a respeito antes. Ao longo da história, é justamente o medo do desconhecido que torna a atmosfera tão carregada de tensão, ao mesmo tempo em que mexe com a curiosidade.

A protagonista, Thelma (Eili Harboe), é uma jovem universitária que mora sozinha em Oslo, na Noruega, mas que vive em constante vigilância dos pais superprotetores, Trond (Henrik Rafaelsen) e Unni (Ellen Dorrit Petersen). A família do interior é extremamente religiosa e sutilmente opressiva com relação à única filha, por motivos que acabam sendo compreendidos conforme o passado da menina vai se revelando.

Na biblioteca da universidade, Thelma sofre o que parece ser um ataque epilético. Ao ser examinada, no entanto, ela não revela sintomas de nenhuma doença. Ao mesmo tempo em que os episódios de convulsões continuam acontecendo, a moça estabelece um relacionamento com uma colega, Anja (Kaya Wilkins). A amizade acaba se tornando algo além do que seria confortável para Thelma, considerando seus pais conservadores, e esses sentimentos entram em profundo conflito com seus valores.

[Spoilers] A fragilidade de Thelma é o que mais aproxima o espectador da personagem. Ao mesmo tempo em que ela descobre seus desejos, o mundo que lhe é familiar parece entrar em colapso, entre emoções que vão da culpa à necessidade de ser aceita. A descoberta de seus poderes é envolta por uma atmosfera de mistério, ao mesmo tempo em que provoca questionamentos sobre ansiedades e convenções sociais no início da vida adulta.

Para a jovem, que está aprendendo a se conhecer e – literalmente – descobrindo o que é capaz de fazer, a sensação de isolamento é latente. Ela mesma se reprime para agradar aos pais, quando se percebe diferente. Thelma tem vontades que não são consideradas corretas dentro do universo no qual foi criada, além de desenvolver poderes que não sabe controlar. Tudo o que ela quer, nesse contexto, é que os problemas simplesmente desapareçam.

“Eu não sei o que está errado comigo”, a personagem confessa, quando percebe que é capaz de fazer coisas terríveis acontecerem. Mesmo vendo o quanto a jovem está em crise, a mãe simplesmente não consegue perdoá-la por um crime cometido involuntariamente, quando ela era apenas uma criança. O pai, por sua vez, promete ajudá-la, mas tudo o que faz é colocar um peso enorme nas costas da filha e tornar sua vida um verdadeiro purgatório.

Silencioso, delicado e envolvente, o filme lida de maneira única com temas difíceis. Temas que, em mãos menos habilidosas, poderiam ser abordados de maneira clichê – como o sobrenatural e a descoberta da sexualidade. A história consegue ser angustiante e assustadora, mas ao mesmo tempo poética e sensual. Em um contexto no qual a espiritualidade é um fardo para a personagem, que se sente dominada por forças incontroláveis, o mais tocante é o drama de Thelma em tentar ser aquilo que esperam dela, mesmo que isso a faça extremamente infeliz.

No momento em que define sua identidade, tendo sua fé questionada e sentindo-se alienada pela família, a jovem percebe que a vergonha e a penitência podem ser substituídas por afeto e plenitude. Se o pai via seus poderes apenas como um problema, de certa forma manipulando Thelma para que ela se mantivesse sob a sua proteção, a maturidade da personagem permite que ela conquiste sua independência.

Os animais também têm um simbolismo muito forte no filme. Logo na primeira cena, o cervo sendo caçado é uma metáfora para a própria menina, que o pai não consegue sacrificar. A cobra, que chega sorrateira e depois se manifesta no momento mais erótico do longa, claramente é uma metáfora ao pecado. Já o pássaro, ao final, representa a liberdade da personagem em ser quem ela realmente é.

Em um filme que consegue ser hipnótico e aterrorizante em sua mistura de gêneros, um “desfecho feliz” é algo quase absurdo, mas Joachim Trier consegue transmitir na tela seu respeito pelos personagens, especialmente pela protagonista. O próprio diretor afirmou que seu desejo, ao escrever, era que a história falasse a todas as pessoas que já se sentiram estranhas e isoladas, sem saber como encontrar seu lugar no mundo. Em um ano no qual super-heróis lotaram as salas de cinema, Thelma é a heroína de que realmente precisamos.

Thelma

Ano: 2017
Direção: Joachim Trier
Roteiro: ​​Joachim Trier, Eskil Vogt
Elenco principal: ​​Eili Harboe, Kaya Wilkins, Henrik Rafaelsen, Ellen Dorrit Petersen
Gênero: ​Drama, Mistério, Romance
Nacionalidade: Noruega

Avaliação Geral: 4,5