Poucos ambientes podem ser tão nocivos e competitivos quanto os subúrbios americanos. Não me entenda mal, nos EUA esses bairros são ocupados por famílias de classe média alta que precisam de mais espaço para criar seus filhos. Eles fogem do centro das metrópoles e vão para locais mais afastados em busca de paz e sossego. Entretanto, o que muitos encontram ali é uma competição para saber quem é mais bem-sucedido, quem tem a vida mais perfeita e quem esconde melhor seus segredos. Tudo isso coberto com muita falsidade e dissimulação.

Olhando assim, não espanta que seja difícil fazer amizades verdadeiras numa vizinhança. Stephanie (Anna Kendrick) e Emily (Blake Lively) vivem esse dilema em Um Pequeno Favor, o novo filme de Paul Feig. Adaptado a partir do best-seller de estreia da escritora Darcey Bell, a trama aproxima essas duas mulheres que pouco têm em comum além dos filhos estudarem juntos. Por ambas serem outsiders da comunidade elas acabam se aproximando e desenvolvendo uma bela amizade. Entretanto, tudo muda quando Emily pede que Stephanie busque seu filho na escola e depois desaparece sem deixar vestígios. A partir daí, Stephanie e Sean (Henry Golding), marido de Emily, iniciam uma busca que vai revelar vários segredos.

Com elementos narrativos leves o longa aborda alguns temas que buscam trazer reflexões para o público. A difícil convivência com os vizinhos, por exemplo, serve como impulso para que Stephanie se aproxime de Emily sem realmente saber quem ela é. Por estar carente a garota aceita as migalhas de atenção que a amiga lhe concede e se apega a elas como uma tábua de salvação social. Para manter o relacionamento vivo, Steph conta seus segredos mais íntimos e chocantes à Emily e ao espectador. Ela comprova, assim, a máxima de que todo mundo tem um lado oculto, mas algumas pessoas conseguem escondê-lo melhor.

Após o desaparecimento de Emily a trama segue um caminho clássico e lança dúvidas sobre a inocência do marido. De maneira interligada, Stephanie debate essa questão em seu vlog. O uso excessivo dessa ferramenta digital pela jovem mãe é outra consideração válida que o filme levanta. Steph compartilha tudo que acontece com ela em vídeos na internet e, como esperado, essa prática corrosiva se mostra crucial para a solução do mistério.

As atitudes questionáveis dos personagens são, em partes, justificadas pela forma como eles são construídos. Stephanie é a romântica inocente, mãe em tempo integral e viúva, que tenta dar mais sentido à sua vida por meio do vlog. Já Emily é descolada, possui um emprego na cidade e sempre anda na moda. Todas essas qualidades fazem com que Steph se projete na amiga e cobice sua vida. Isso se transmuta em realidade quando Emily desparece e, aos poucos, a jovem mãe passa a tomar conta da sua casa e de Sean.

Mesmo que não possua um roteiro essencialmente original, o longa bebe em algumas fontes conhecidas do bom cinéfilo. A cena em que Stephanie tira uma foto de Emily, por exemplo, tem um quê da sequência do parque de Blow-up: Depois Daquele Beijo. Ambas as mulheres clicadas exigem que a foto seja apagada e possuem boas razões para não quererem seus respectivos rostos rodando por aí. O estilo de investigação que aponta o marido como culpado também nos remete à cartilha clássica de crimes escrita por Hitchcock. Por sua vez, o desaparecimento de uma mulher em circunstâncias suspeitas nos remete ao recente Garota Exemplar. Mesmo que tenha pontos de contato com obras de alta qualidade cinematográfica, Um Pequeno Favor não consegue varar a barreira das referências e fica muito aquém de seu verdadeiro potencial.

Em grande parte, isso se deve ao roteiro fraco sobre o qual a produção se sustenta. Além de flashbacks desnecessários e reviravoltas excessivas, o texto apresenta justificativas fracas para o desaparecimento de Emily. A trama tem um ar de folhetim romântico que não convence e patina na criação de plots paralelos à história principal. Além das protagonistas, os demais personagens são descartáveis e acabam encenando momentos patéticos, em especial os vizinhos. O longa insiste em encaixar um humor que se mostra pouco efetivo e acaba repetindo várias vezes as mesmas piadas ou frases de efeito. Para completar, os minutos finais são sofridos e beiram a irrealidade.

Ainda que Kendrick e Lively estejam confortáveis em seus papéis, Um Pequeno Favor entra para a lista dos filmes abaixo da média. Por querer abranger assuntos demais, a produção acaba perdida em um mar de temas criados, mas pouco desenvolvidos. Apesar de transitar entre os gêneros de drama, mistério e crime, o longa não emociona, não cria suspense e pouco surpreende o espectador. Este é um entretenimento fácil para quem deseja escapar da realidade por algumas horas, mas não possui gera reflexão aprofundada, nem mesmo um debate que acompanhe o espectador de volta à sua vizinhança.

Um Pequeno Favor

 

Ano: 2018
Direção: Paul Feig
Roteiro: Jessica Sharzer
Elenco principal: Anna Kendrick, Blake Lively, Henry Golding
Gênero: ​Drama, Mistério, Crime
Nacionalidade: EUA

Avaliação Geral: