Por Luciana Ramos

A história política recente da Itália, assim como a do Brasil, perpassa por escândalos de corrupção absurdos que resultaram em extrema ineficiência em prover as necessidades da população. A crise de representatividade que permeia o país (e que pode ser estendida a todo o mundo) é explorada na sagaz comédia de Roberto Andò Viva a Liberdade, tendo como principal instrumento o excepcional talento do ator Toni Servillo (A Grande Beleza).

Enrico Oliveri (Toni Servillo)  é o representante do partido de esquerda italiano para as próximas eleições presidenciais. O povo, porém, não consegue mais acreditar em promessas vazias de uma entidade que não apresenta novas alternativas para tirar a economia da lama, o que culmina no ódio direcionado a figura do Senador. Com clara incapacidade de liderança e sofrendo de depressão, Enrico decide largar tudo e fugir. Em conversa com Anna Oliveri (Michela Cescon), mulher do senador, o assessor Andrea Bottini (Valerio Mastandrea) decide chamar o irmão gêmeo do político, o filósofo e professor Giovanni Ernani,  para assumir a vida do outro por um tempo.

Este, paciente mental recentemente liberado do manicômio, acaba virando o partido de cabeça para baixo por meio de declarações escandalosas do tipo “os partidos são medíocres  porque as pessoas são medíocres; o partido é corrupto porque as pessoas também o são”. E assim, citando grandes romancistas e filósofos e falando estritamente a verdade, torna-se extremamente popular. Com seu discurso cortante, capaz de desarmar qualquer crítica e aflorar reflexões, torna-se de fato um político democrático por representar a voz do povo, o símbolo da mudança de uma Itália estagnada a até então desesperançosa.

Enquanto isso, Enrico hospeda-se na casa de uma amiga e ex-namorada na França, chamada Danielle (Valeria Bruni Tedeschi). Ela, agora casada com um diretor de cinema e com uma filha, o leva a um set de um filme, e em pouco tempo Enrico sai do estado de apatia e depressão que se encontrava.

A trama segue até os momentos finais nestas duas frentes e aos poucos desenvolve aos poucos mais sobre o passado dos personagens e suas motivações, ao mesmo tempo que aprofunda a crítica à crise democrática do país. Não é por acaso, por exemplo, que Enrico escolhe um set de filmagem para se refugiar, já que a premissa dessa arte é criar e vender ilusões. Igualmente proposital é a passagem que Giovanni (agindo como Enrico) firma um acordo com a embaixatriz da Argentina dançando um tango. Por meio dessas “sacadas” inteligentes, a tese de uma política mais transparente e próxima aos ideais democráticos emerge.

No entanto, o objetivo principal do longa de Roberto Andó não teria sido atingido sem a atuação magistral de Toni Servillo. Por serem dois personagens de personalidade completamente diferentes, a liberdade de composição foi amplamente aproveitada pelo ator, que soube diferenciá-los em interpretações detalhistas e ricas. Demonstrações do seu talento permeiam todo o longa em pequenos gestos, trabalho postural e erguidas de sobrancelhas. De fato, é até possível detectar qual personagem está em cena somente pela sua expressão facial.

Viva a Liberdade denuncia de maneira inteligente e ácida os jogos de bastidores da política, entregue aos interesses dos seus dirigentes e cada vez mais longe dos anseios do povo. Expõe, ainda, toda a sensibilidade e talento do ator Toni Servillo em sua caracterização de duas personalidades diametralmente opostas. Ainda que não atinja a excelência, diverte e provoca a reflexão ao mostrar que talvez o que falte na política seja um pouco mais de transparência e, por que não, insanidade.

Cinemascope - Viva a Liberdade posterViva a Liberdade (Viva La Libertà)

Ano: 2013

Diretor: Roberto Andò

Roteiro: Roberto Andò, Angelo Pasquini

Elenco Principal: Toni Servillo, Valerio Mastandrea, Valeria Bruni Tedeschi

Gênero: comédia, drama

Nacionalidade: Itália, França

 

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