Por Joyce Pais

Autor de “50 Anos, Luz – Câmera e Ação”, um bestseller quase obrigatório quando se fala de referências bibliográficas de cinema, o diretor de fotografia Edgar Moura usou sua larga experiência no cinema e na televisão para criar “Da Cor”, que promete ser um divisor de águas na forma em que vemos e entendemos o universo das cores. A obra ensina como opera todo o processo de correção de cor para filmes, vídeos e fotos, além de desmistificar o trabalho do colorista e alguns conceitos em torno da famosa rede de compartilhamento de imagens, o Instagram. Conversamos com Moura para entender como se deu seu interesse pelo tema, os percalços enfrentados na concepção do livro e também como ele enxerga o trabalho do profissional de fotografia num cenário digital, confira!

 

Joyce Pais: O que te motivou a escrever “Da Cor”

Edgar Moura: De 1998, quando escrevi o livro 50 Anos Luz, para cá, muita coisa mudou na tecnologia de cinema. De tudo o que mudou, porém, o que mais mudou foi a correção de cor. Por isso, escrevi o livro “da Cor”, uma espécie de 50 Anos Luz – Modelo 2017.

 

Joyce Pais: Quanto tempo levou todo o processo desde a concepção da ideia à publicação?

Edgar Moura: Lucia, uma artista plástica fechou o 50 Anos Luz, foi até a biblioteca, tirou da estante um livrinho de umas 100 páginas, História das Cores, colocou na minha frente e disse: “Edgar, vai ler isso antes de escrever sobre as cores”.

Peguei o tal livrinho que a Lucia tinha me dado, sentei e comecei a ler. Li três páginas e parei. Dei-me conta de duas coisas. Primeiro, o livro tinha alguns erros. Técnicos. Segundo, eu não sabia mesmo nada sobre aquelas cores. Arte. História da Arte. As cores na História da Arte. Decidi, antes de continuar a ler, solucionar as duas coisas: os erros dele, escritor, e a minha própria ignorância. Resolvi que, antes de acabar de ler o tal livrinho, ia ler tudo o que existia sobre as cores. Li. Pode conferir na bibliografia do livro da Cor. Tem Goethe e Newton, Itten e Max Planck. Poetas e cientistas. Tudo. Todos. Levou quinze anos.

 

Joyce Pais: Quais foram os maiores desafios?

Edgar Moura: Kurt Nassau, físico, autor do verbete “Cor” da Enciclopédia Britannica resume o que são as cores e as suas causas com a seguinte frase: “Elétrons estão envolvidos em todas as causas das cores”. Para quem não estudou nada de química nem de física, a coisa fica um pouco complicada: das quinze explicações do que fazem as coisas serem coloridas, eles, os maus alunos de química e de física, não vão entender… nenhuma. Eu, que estudei quase tão pouco quanto esses meus colegas, vou tentei explicar quais são as causas da cor, de uma maneira que ninguém se sinta tão mau aluno quanto eu fui.

Como se não bastasse ter que saber um pouco de química e física, para entender das cores também alguma matemática é indispensável. Um exemplo? O “gráfico de cor”, o chamado gamut de um workfow, é um gráfico cartesiano com duas coordenadas.

Joyce Pais: Ainda que se trate de um livro técnico, “Da Cor” é didático e aborda os temas de forma direta, resultando numa leitura instigante e prazerosa. Qual ou quais públicos você tinha em mente enquanto o desenvolvia?

Edgar Moura: O livro “da Cor” não é um livro para ensinar como fazer o Color Grading e, sim, para ajudar os fotógrafos a dialogarem com os coloristas na hora de sentarem na frente do monitor e fazerem a “correção de cor” de suas imagens.

 

Joyce Pais:O trabalho do colorista é destrinchado amplamente no livro, assim como sua importância e função na cadeia produtiva. Como você enxerga o mercado para este profissional no Brasil atualmente?

Edgar Moura: A importâcia do colorista? No Brasil? Nos USA? Na Conchinchina? em Zamzibar? em Marte, em Alfa-Centauro? Não há mais fotografia sem colorista. Mesmo que o fotógrafo seja seu próprio colorista.

A fotografia digital e a correção de cor estão chegando mais perto do que a fotografia fotoquímica jamais conseguiu. Para o desespero dos puristas. Eu, incluso. Mas não adianta espernear, é assim. E se a fotografia conseguir gravar, roubar da natureza as suas cores e contrastes, é o colorista, na correção de cor, quem vai extrair isso da imagem e conseguir fazer tudo aparecer. Por isso, é importante conhecer essas duas disciplinas, a fotografia digital e a correção de cor. Elas são irmãs siamesas, nunca mais existirá uma sem a outra. A fotografia digital não sabe nada, só grava. A correção de cor também não sabe nada, mas, as duas e os dois, fotógrafo e colorista, juntos, podem tirar de bits and bytes o que nunca antes havia sido extraído da natureza. A fotografia está, então, nas nossas mãos.

No livro “da Cor” tratei do que fazemos os dois, fotógrafos e coloristas, quando sentam, juntos, na frente do monitor, para mostrar a vocês o que vocês viram na natureza e nem se deram conta. É o controle das cores.

 

Joyce Pais: Quais as principais transformações na atuação de um diretor de fotografia tendo em vista um contexto digital?

Edgar Moura: A direção de fotografia acabou? Não, mas se dispersou. No processo fotoquímico, o diretor de fotografia decidia (junto com o diretor, é verdade, e também com o produtor, também é verdade) o contraste do filme. Decidiam se as sombras seriam densas ou delicadas. Depois de filmado e revelado o filme, não havia muito mais a se fazer nessa área. Hoje, um colorista é capaz de dizer: “Quando eu faço a correção de cor de um filme eu não tenho que ouvir muita opinião. Minha opinião é definitiva”. E isso é verdade. Mais ou menos. Se não é assim na maioria dos filmes de longa-metragem, com certeza, na televisão, é. Na televisão, onde o diretor de fotografia e os diretores de iluminação se revezam, não só nos dias de gravação, mas também em diferentes cenas de uma mesma sequência, é impossível controlar a cor. É claro que nenhum deles (DFs e DIs) tem tempo para acompanhar todo o material que vai passar pela correção de cor. O máximo que eles podem fazer é “passar” na “cor”, ver o que o colorista está fazendo e dar algumas indicações. O grosso do material vai ser feito, mesmo, ao gosto do colorista. E tem mais… nem mesmo o mesmo colorista corrige todo o material que vai ao ar em uma novela. Eles também se revezam. É muito material em pouco tempo. É muita “minha opinião” demais, de gente demais.

Joyce Pais: O Instagram e outras redes que privilegiam e estimulam a produção de imagens aproximam, de certa forma, as pessoas, o público geral, da fotografia. Mas isso também pode significar uma certa banalização da arte e do ato de fotografar. Em um momento do livro, você aborda essa rede focando na criação de seus filtros. Como você acha que o fotógrafo se coloca (ou deveria se colocar) frente a essa realidade?

Edgar Moura: O desprezo dos fotógrafos profissionais pelo Instagram é injustificado. Não é por ser pop que não é bom, e profissional. Quer dizer, os “looks prontos” do Instagram, que eles chamam de “filtros”, foram, na realidade, feitos por coloristas profissionais. Muito profissionais. Os próprios criadores do Instagram foram atrás dos melhores e mais conhecidos coloristas para criar os “filtros” do Instagram.