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Peixe

 

 

 

 

 

 

 

 

Agora sim…

Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas nos embala com sua trilha sonora tranquila, seu cenário bucólico e sua paleta de cores primaveril do início ao final do filme, tanto, que quase duvidamos da identidade da mente por trás da produção.

Na contramão das expectativas, o “gótico” e “sombrio” Tim Burton se metamorfoseia em romântico sonhador e nos presenteia com um filme que é um colírio aos olhos, extremamente delicado e sensível. Posso dizer com certeza que, talvez por esse motivo, esse seja para mim o melhor filme já realizado por Burton, inevitavelmente caio em lágrimas todas as vezes em que me presto a assistir – já foram bem umas 10.

O roteiro começou a ser trabalhado por Tim Burton e Richard D. Zanuck após a finalização de O Planeta dos Macacos, em 2001, e estreou em 2003. O filme – adaptado do livro de Daniel Wallace “Big Fish: A Novel of Mythic Proportions” – narra a história de Edward Bloom (Albert Finney na velhice e Ewan McGregor na juventude), caixeiro viajante do sul dos Estados Unidos e contador de histórias, que sofre com um câncer fatal e que, por conta disso, revê o filho Will, jornalista cético, interpretado por Billy Crudup. A história sobre como Edward captura o peixe (“a fera”), narrada para iniciar o filme, é o gancho, ou mais apropriadamente, o anzol que nos leva da primeira infância até o casamento de Will, que a essa altura, conhecendo a história, recita as palavras do pai.

Por julgar ser impossível separar o homem da lenda, a história da ficção, Will enquanto relembra – e investiga – as histórias, nos apresenta seu pai jovem, aventureiro e destemido, e somos deslumbrados por figurinos incríveis e cenografias grandiosas. Burton é capaz de fundir o banal/cotidiano com o extraordinário, e sua capacidade de mesclar realidade com fantasia dá o tom e o charme do filme.

Quando procurava as locações para O Planeta dos Macacos, seu pai morreu, e dois anos depois sua mãe também. Ao produzir Peixe Grande, ele percebeu o conceito comovente que tinha em mãos: “Voltei a pensar no meu pai, e mesmo tendo sido uma relação ruim, no começo era meio mágico. Ele usava dentadura e, nas noites de lua cheia, fingia que ia se transformar em um lobisomem. Nós admirávamos essas coisas e, com isso, percebemos que ele era um personagem meio mágico (…) Fiquei anos sem lembrar dessa história” – diz Burton em uma entrevista para Paul A. Wood em: “O Estranho Mundo de Tim Burton” (São Paulo: Leya, 2011).

Tim Burton e Albert Finney conversando nos bastidores

Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.

Podia ser Tim Burton, mas é Edgar Allan Poe (Alone, Edgar Allan Poe). Desde criança, o diretor nutre uma profunda admiração pelo poeta romântico e não hesita em emprestar elementos que remetam à ele (Vincent, 1982, por exemplo, é inteiro centrado em um de seus poemas) e à obras consagradas do terror e do suspense (Frankenstein virou Frankenweenie (2012), zumbis tornaram-se A Noiva Cadáver, 2005, etc). Assim como em todas as suas produções, o diretor empresta, ainda que sutilmente, muitas de suas características pessoais à Peixe Grande.

Podendo coexistir diferentes climas e emoções num mesmo filme, a produção e direção de arte, responsáveis por criar sua atmosfera e sua expressão visual, magistralmente adequam a linguagem aos diferentes momentos emocionais da obra. A talentosa equipe de Burton, que inclui Philippe Rousselot como diretor de fotografia e Dennis Gassner como designer de produção, cria as diferentes qualidades de imagem em Peixe Grande: enquanto o realismo e a domesticidade imperam nas cenas de Will e de seu pai já idoso, com predominância de cores frias como o azul, cinza e branco, as sequências das histórias contadas por Ed Bloom são dotadas de uma aura de sonho e imaginação – endossada pela não linearidade temporal e espacial – e nelas, predominam cores quentes: amarelo, vermelho, verde vivo.

Construindo cenários coloridos, enormes e fantásticos, Tim Burton nos leva ao mundo do imaginário, das possibilidades, das oportunidades. Vemos na tela um Tim Burton que não é o mesmo do preto e branco, dos stop motions, dos musicais, vemos a mente criativa e inédita de um diretor que não se restringe aos rótulos de Hollywood e que pode, sim, ser versátil sempre que precisar. No final das contas, Burton nos leva para dentro da cabeça de uma criança e escancara o tédio que é “adultescer”, o tornar-se adulto. Se pensarmos bem, o filme sensivelmente mostra como imaginação e criatividade, muito presentes na fase da infância, se perdem ou se limitam na medida em que envelhecemos.

O que é real e o que é fantasia? Nada disso importa afinal, a fantasia vence a realidade, não por ser mais importante, mas por ser essencial. O inacreditável é a essência da história da vida de Edward Bloom e a lição que Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas nos deixa é de que as nossas histórias nos fazem imortais e a de que devemos preservar o direito ao sonho, à fantasia, enfim, ao lírico.

A maioria das pessoas conta uma história direto até o fim. Não é complicado e nem interessante.” (Edward Bloom em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas )

Curiosidades

  • Tim Burton teve as janelas de seu quarto fechadas com tijolos por seus pais quando criança, com a desculpa de que era para diminuir a conta do aquecimento (o diretor cresceu na Califórnia, o aquecimento lá nunca foi um problema);
  • Dizem por aí que Ewan McGregor foi escolhido para atuar no filme depois que os produtores notaram as semelhanças físicas que possuía com Albert Finney;

Tim Burton, Albert Finney e Jéssica Lange

Burton e Ewan McGregor no campo de Narcisos Amarelos

      • A máquina de café da manhã que Ed Bloom apresenta na feira de ciências é a mesma que aparece em As Grandes Aventuras de Pee Wee (1985), filme de estreia de Tim Burton;
      • Steven Spielberg esteve interessado em levar Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas para o cinema, mas teve que abandonar o projeto devido à sua agenda cheia. A intenção de Spielberg era ter Jack Nicholson como protagonista do filme;
      • A piada com o elefante defecando enquanto Ed Bloom sonhava acordado não estava no roteiro. A equipe de filmagem achou engraçado e rapidamente apontaram as câmeras para captar a cena;
      • Apesar do fato de Matthew McGrory – que interpretou Karl o Gigante – ter 2,15m de altura na vida real, ele pareceu ter 3,60m através de um truque de câmera. Quando terminou o jardim de infância, sua altura era de 1,50m; ganhou o Guinness Records de Ator Mais Alto do Mundo e de Maior Pé do Mundo. O ator morreu de causas naturais em agosto de 2005;
      • Quando Norther Winslow (Steve Buscemi) mostra o seu inacabado poema para Edward no filme, a letra do papel é na verdade do próprio Tim Burton.

 

Veja o trailer: