Entrevista por Joyce Pais e Wallacy Silva

 

Diretora de “Como Esquecer”, filme que conta a história de uma professora universitária de literatura inglesa após o término de uma longa relação com sua namorada, foi destaque em festivais pelo Brasil e contou com nomes bastante conhecidos do público, Ana Paula Arósio, Murilo Rosa e Natália Lage são alguns deles, Malu nos falou como foi o processo de adaptação do roteiro, escalação do elenco, lidar com temas polêmicos, e também sobre seus projetos futuros.

Cinemascope: Qual a sua relação com os atores e com o processo de escalação do elenco? No caso do “Como Esquecer” como se deu esse processo?

Malu de Martino: Gosto de pensar no elenco desde o início do processo. Quando leio um livro ou um roteiro preciso “ver” se não, não entro na história. Preciso personalizar para poder ver, isso pode mudar dependendo das circunstâncias, mas em geral, vejo um rosto para os personagens.

No caso do “Como Esquecer”, quando chamei o Murilo Rosa, ator com que eu já havia trabalhado no meu primeiro filme, Ismael e Adalgisa, começamos a conversar e falamos da Ana Paula Arósio. Concluímos que ela seria uma ótima Julia! O Murilo ligou para ela e fez então a “ponte”. Os outros atores vieram através de testes realizados pelo Chico Accioly, produtor de elenco, com quem eu já tinha trabalhado em Mulheres do Brasil.

CS: Em “Mulheres do Brasil” você entra em contato com o universo feminino sob diferentes pontos de vista. Em “Como Esquecer”, pode-se dizer que também há um foco no universo feminino, não abordando exclusivamente a questão da homossexualidade, mas principalmente a perda, o recomeço e a amizade. Seria pertinente dizer que a questão do feminino é pano de fundo de seus trabalhos?

MM: Mais que pano de fundo, esse é um tema recorrente para mim. Primeiro porque é o universo ao qual pertenço e por isso tenho vontade de explorar e falar dele sempre que possível. É também um campo confortável de trabalho por esse mesmo motivo. Não digo que nunca vou dirigir um filme que tenha como foco principal o universo masculino, mas ainda não chegou a mim nenhuma história que me motivasse a fazê-lo. Tenho muito interesse em mudar a imagem da mulher brasileira impressa numa embalagem de “gostosona de biquíni” que o audiovisual projetou. Penso nisso quando vou filmar…

CS: Qual a maior dificuldade do processo de adaptação de um livro para um filme? Existiu algum contato com a Myriam Campelo antes ou depois de concluída a produção?

MM: A Myriam nos passou os direitos do livro e começamos a trabalhar imediatamente na adaptação. Há grades diferenças nas duas linguagens, é preciso privilegiar a imagem e não o texto quando se vai fazer um filme, ao contrário da literatura, onde você pode imaginar do jeito que você quiser, o filme propõe um conceito imagético, dá rosto aos personagens, mostra um caminho escolhido pelo diretor. Convidei a Myriam para uma visita ao set e só então, nesse momento ela leu o roteiro, quando já estávamos filmando.

CS: É notável que o mercado cinematográfico estrangeiro, sobretudo o norte-americano e o europeu, seja mais aberto a temas ditos “tabus” como a homossexualidade, por exemplo. No Brasil, ao longo dos anos a questão foi inserida com mais frequência em produções televisivas, principalmente em novelas.  Por que você acha que ainda é tão difícil falar desse assunto aqui no Brasil?

MM: Acho que neste momento caminhamos para um cinema de dramas psicológicos, menos ligados aos nossos problemas sociais como fizemos no passado. Neste sentido, acho que temas tabus dever ser cada vez mais frequente. Podemos citar de cara dois outros filmes, além do “Como Esquecer”, que transitam nesse campo: Do Começo ao Fim e Elvis e Madona, que trabalham o incesto e a transexualidade, respectivamente. Vejo muitas mudanças nessa relação, e elas estão só no começo! Outro dia vi um curta lindo Não Quero Voltar Sozinho, sobre um adolescente cego que se descobre homossexual, delicadíssimo! Fiquei super feliz de ver que vamos avançar neste assunto e assim ajudar a quebrar paradigmas e preconceitos que geram intolerância.

CS: Atualmente você está em alguma produção? Quais são seus planos e projetos futuros?

MM: No momento filmo o documentário Margaret Mee e a Flora da Lua, mais uma vez uma mulher…rsrsrs. Sobre a artista botânica Margaret Mee que viveu 36 anos no Brasil e dedicou-se a retratar a flora brasileira. Filmamos na Amazônia e vamos filmar no Rio, em SP e na Inglaterra. Espero estrear no segundo semestre do próximo ano.

CS: Se você pudesse ser o personagem de um filme, qual você seria e por quê?

MM: O primeiro personagem que me vem a cabeça é o detetive de Veludo Azul do David Lynch. Sou uma investigadora nata! Adoro as descobertas feitas por dedução, e raciocínio é uma prática que procuro cultivar potencialmente. Ainda faço um filme em homenagem ao Hitchcock, sou fã dos filmes dele!