Por Paulo Junior


As obras de Machado de Assis (1839-1908) foram adaptadas por diferentes cineastas ao longo dos séculos XX e XXI. Destacam-se as adaptações de Humberto Mauro (Um apólogo: Machado de Assis – 1939), de Nelson Pereira dos Santos (Missa do Galo – 1981), de Cláudio Costa Val (A cartomante – 2000) e de André Klotzel (Memórias Póstumas – 2001). O curta-metragem Hoje tem felicidade (2005), de Lisiane Cohen, é inspirado no capítulo “A propósito de botas”, do livro Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).

O filme conta o cotidiano de Rui, que trabalha no escritório de uma empresa e tem um casamento infeliz. Logo no início, observamos sua rotina em seu trabalho, em uma cena à la Tempos modernos (1936, Charles Chaplin), onde é parte do sistema produtivo da empresa. O protagonista é promovido a chefe do setor comercial, ganhando apenas um novo carimbo, com a inscrição “comercial”. Durante o horário de almoço, Rui se senta em uma praça e começa a lembrar de sua vida infeliz. Pai de dois garotos que só brigam, com uma mulher que só reclama, a personagem principal começa a refletir sobre a sua realidade. Após ter sido roubado, uma frase (“Toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas”) é introduzida no imaginário de Rui, se tornando o fio-condutor da história.

Rui, em busca de uma alternativa de felicidade, resolve comprar um par de sapatos menores do que calça. Após a compra, o protagonista volta a sua rotina diária, caminhando de um lado para o outro, ao mesmo tempo em que tem flashbacks de sua família. A dor provocada seria um método de alcançar o prazer satisfatório, ao retirar os sapatos, provocando um sentimento de felicidade. Ao contrário de Julie, do belíssimo A liberdade é azul (1993, Krzysztof Kieślowski), que provocava a dor para esquecer a tragédia que assolou a sua vida, Rui provoca a dor buscando encontrar a verdadeira felicidade, proporcionada pelo alívio de seus pés.Cohen conseguiu unir a história contada pela sua avó, de um homem com o sapato apertado, com o trecho do romance de Machado. Utilizando apenas a ideia principal do capítulo, a cineasta conseguiu construir um belo enredo que mostra o cotidiano de um homem infeliz (tanto no casamento, quanto no trabalho), que busca uma alternativa para a sua vida desgraçada. “Uma vez aliviado, respirei à larga e deitei-me a fio comprido, enquanto os pés e todo eu atrás deles, entrávamos numa relativa bem-aventurança. Então considerei que as botas apertadas são de uma das maiores aventuras da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar”.

Veja o trailer:

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