Por Luciana Ramos

O novo longa de Ari Folman, adaptado do livro de Stanislaw Lew, é tão denso que poderia alongar-me por páginas e páginas tentando decifrar todos os seus significados. Mais importante que isso, no entanto, é enfatizar a maturidade com que ele constrói uma extensa e catastrófica alegoria sobre a sociedade e comportamento humano através do uso da atriz Robin Wright, que interpreta uma versão de si mesma no filme. Ela, como sua própria faceta animada proclama, é a “profeta da desgraça”, o estopim para um novo tipo de cinema que se estende a uma nova configuração da sociedade.

Para facilitar o entendimento, dividirei o enredo em três partes. Na primeira, a atriz Robin Wright recebe uma proposta irrecusável: assinar o último contrato da sua carreira. Trata-se de uma oferta da Miramount (a ironia não é à toa) de possuir a sua persona artística. Basicamente, ela deve ir para uma sala onde terá o seu físico e suas emoções escaneadas e transformadas em um chip. A sua versão “robótica” é, segundo eles, o futuro da atuação: poderá participar de milhares de produções cinematográficas diferentes, algo que a verdadeira Robin não pode oferecer por limitações físicas e psicológicas (que se refere ao poder de escolha do ator). Pressionada pelos estúdios e tendo que lidar com a progressão da doença degenerativa do filho Aaron (a atriz é aqui uma mãe solteira de dois pré-adolescentes), ela assina o contrato.

Passam-se vinte anos e Robin vai a Abrahama para o chamado Congresso Futurista, onde participará do ciclo de homenagens a sua  versão robótica. A Miramount foi além do cinema e construiu nesta cidade uma “zona restrita de animação”. Isso significa que, por meio de inalação de substâncias químicas comercializadas, você pode ser e enxergar o mundo animado e é assim que nós, espectadores, passamos a vê-lo. No evento principal, é anunciada a mais nova tecnologia: a possibilidade de tomar a forma de qualquer pessoa que já existiu. O usuário, portanto, poderá viver até a sua morte como Elvis, Jesus ou Cleópatra. Na última parte, vemos a resolução desse conflito e o impasse de Robin entre ficar animada para sempre e voltar. Cabe dizer que enfim descobrimos como ficou o mundo “real” e como estão estes indivíduos consumidores de uma realidade alternativa.  

A quantidade de reviravoltas e facetas exploradas mostram o quanto este trabalho é denso e melancólico. O filme é trágico e, diga-se de passagem, extremamente inteligente e rico. São várias as críticas do diretor e ele as faz do nível micro para o macro. O que começa como um panorama da estupidez dos estúdios de Hollywood em colocar o dinheiro em primeiro plano, questionamentos sobre valor da arte, do ser humano e da escolha passam logo passam para indagações sobre utopia virtual, o poder da ilusão como forma de alívio do sofrimento cotidiano, a sociedade do espetáculo e a manipulação daqueles que estão por trás, puxando as cordas. 

Algumas considerações devem ser feitas também do ponto de vista técnico. Em sua animação anterior, Folman usou linhas simples e poucos desenhos por movimento nos personagens, levando Valsa com Bashir a ser quase um storyboard animado. Já neste, o trabalho é mais rebuscado, assim como o universo que cria. Importante ressaltar a inclusão de diferentes estilos: Robin é alongada e tem poucas linhas; já os outros participantes do congresso são redondos e cartunescos, clara referência às produções hollywoodianas do gênero. Essa distinção serve para reafirmar visualmente o deslocamento da protagonista assim como definir estes seres alienados.

Há passagens muito bonitas na trama, que abusa de elementos simbólicos para dar a sua mensagem. Além disso, o filme todo é um esmero visual; a fluidez da passagem de um estilo cinematográfico para outro é impressionante e o diretor chega a misturá-las. Em uma cena, a protagonista entra de carro na cidade de Abrahama. Olha pelo retrovisor, no qual parece o seu reflexo animado, enquanto todo o resto do frame permanece em live action. Em outras passagens durante o congresso, o efeito inverso ocorre: outdoors voadores com propagandas dos seus filmes de maior sucesso (como chip) aparecem na zona de animação.

Viver em um mundo infinito e animado, sem as limitações corporais, tornando-se no sentido literal da palavra a pessoa que deseja é uma oferta muito tentadora, muito melhor do que a existência a que estamos confinados hoje. No entanto, como O Congresso Futurista alerta, há um preço a se pagar e este pode ser muito maior do que se possa imaginar. No fim das contas, a realidade, por pior que seja, é melhor do que a fuga. Um trabalho técnico e artístico de excelência que instiga o espectador e o leva a reflexão.

Cinemascope-o-congresso-futurista-poster-brO Congresso Futurista (Le congrès)

Ano: 2013

Diretor: Ari Folman

Roteiro: Stanislaw Lew (novela), Ari Folman (roteiro)

Elenco Principal: Robin Wright, Harvey Keitel, Jon Hamm, Paul Giamatti

 Gênero: animação, ficção científica

Nacionalidade: Israel

 

 

 

 

Confira o Trailer:

 

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