Por Mario Neto

 

Nessa segunda adaptação para o cinema, do romance homônimo escrito pelo vencedor do prêmio Nobel de literatura, François Mauriac, o diretor Claude Miller em sua última obra (o diretor faleceu em abril deste ano, no processo de pós-produção do filme) propôs uma abordagem diferente da exposição do enredo do próprio livro e de sua primeira adaptação cinematográfica de 1968, dirigida por George Franju , estrelada por Emmanuelle Riva e Phillippe Noiret, a qual originalmente se apresenta em uma estrutura cronológica não-linear, seguida por flashbacks ao longo da trama.

O filme se inicia no interior da França dos anos 20, somos apresentados então a jovem Thérèse (Andrey Tautou) e sua vizinha/amiga Anne (Anaïs Demoustier), que passam tardes ensolaradas se divertindo de maneira leve e inocente. Thérèse mostra-se inventiva e divaga a cerca de relacionamentos e questões existenciais, impressionando sua ingênua amiga. Ao passar dos anos Thérèse acaba por se casar com Bernard Desqueyroux, irmão mais velho de Anne, por claro e assumido interesse, algo que rapidamente denota sua personalidade contundente.

Todavia, em pouco tempo o casamento para moça passa a se tornar entediante, ao passo que seu marido mostra-se completamente desinteressante, fazendo com que sua inquietação para com aquele contexto provinciano rural se torne cada vez mais insuportável, até que as circunstâncias obrigam-na a tomar uma atitude drástica e impulsiva.

A personalidade de Thérèse é extremamente complicada de se analisar, não conseguimos entender quais são realmente suas expectativas e seus anseios, mostrando-se  inconstante, distante, indiferente e totalmente insatisfeita. Na verdade nem mesmo a própria personagem é capaz de compreender suas ações e motivações, e podemos exemplificar essa constatação através de uma cena em que Thérèse indaga a Bernard: “Você sempre conheceu a razão pelos seus atos, não é?”, ou seja, ela vive um conflito interno fortíssimo, pois ao mesmo tempo em que aquela situação lhe parece desconfortável, ela não consegue exteriorizar algo que possa melhorá-la, então ela simplesmente age por impulso, a fim de puramente subverter, sem qualquer razão racional aparente.

E essa construção seca e difícil de ser tragada dessa inconstante personagem fica ainda mais acentuada devido à modificação estrutural da cronologia dos fatos feita por Miller. Uma vez que o roteiro agora se apresenta de maneira linear, podemos acompanhar pouco a pouco o modo como Thérèse vai implodindo sua personalidade de maneira inconsciente, até chegar no puro e completo descompasso de suas ações, colocando em pauta, o importante questionamento de que;  até que ponto somos capazes de organizar de maneira equilibrada nossas ambições e coordená-las com o controle absoluto de nossos atos?

Contudo, devido ao teor excessivamente sóbrio e frio do enredo, esse artifício acabou sendo um vilão para cadência e articulação do filme como um todo. A estrutura cronológica não linear e as elipses temporais originais conferem a obra um dinamismo mais agradável de ser visualizado do que o proposto por Miller, que causa um certo marasmo e impaciência, além de não prender a atenção. Algo que não necessariamente faça com que sua adaptação seja analisada como falha, ela requer apenas um pouco mais de esforço cognitivo por parte de seu espectador.

Andrey Tautou como Thérèse, nos apresenta um lado mais soturno e menos doce do seu repertório artístico, apesar de não fazer frente à maravilhosa atuação de Emmanuelle Riva (papel que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza de 1962), que deu vida a personagem na adaptação de George Franju. Gilles Lellouche faz um Bernard decidido e compenetrado, mas que passa uma certa artificialidade, fazendo com que sua atuação pareça um recorte.

A fotografia impecável que compõe a construção do ar bucólico da França provinciana dos anos 20 se torna essencial para que o expectador possa se situar, além de não apenas auxiliar, mas sim, ser determinante nos momentos mais dramáticos e importantes, como as cores quentes e vibrantes usadas nos grandes planos abertos do verão, ou nas cores frias e opacas da câmera claustrofóbica no inverno.

A direção de arte é o elemento de maior destaque, a reconstituição é extremamente fiel, com uma cenografia cuidadosamente bem arquitetada, figurinos precisos e uma maquiagem fundamental na composição dos personagens.

Em suma, uma revisão relevante que transgride a própria transgressão de uma das mais importantes obras da literatura mundial, Claude Miller sai de cena com a sensação de dever cumprido.

 

Therese D. (7)Thérèse D. (Thérèse Desqueyroux)

Ano: 2012

Diretor: Claude Miller.

Roteiro: Claude Miller.

Elenco Principal: Audrey Tautou, Anaïs Demoustier, Gilles Lellouche, Yves Jacques.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: França.

 

 

 

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