Por Paulo Junior
A década de 1980 é marcada pelo surgimento de novos e renovados estilos cinematográficos, como a violência peculiar de Martin Scorsese, as memórias da Guerra do Vietnã de Oliver Stone, as aventuras extraterrestres e arqueológicas de Steven Spielberg, as viagens estrelares de George Lucas, o suspense hitchcockiano de Brian de Palma e as comédias juvenis de John Hughes. Entre esses estilos, podemos destacar o gênero de horror, que ganhou, em termos gerais, novas roupagens nesse período: mais violento, com assassinos mais simbólicos, com uma dose de horror negro e, principalmente, com a utilização de um elenco jovem. A coluna #5+1 escolheu as seis melhores produções de horror/terror estadunidenses dessa época.
O Massacre da Serra Elétrica 2 (1986)
A continuação do filme Tobe Hooper (1974) não foi tão bem sucedida quanto a primeira, mas consegue aterrorizar o público, claro que com um número maior de bizarrices comparado ao anterior. Protagonizado pelo premiado ator Dennis Hooper, o filme começa com a morte de alguns jovens atacados por Leatherface (um dos ícones do gênero de terror) e seus gritos são gravados por uma operadora de rádio. Buscando evidencias do massacre passado, o xerife descobre essa gravação e decide procurar os assassinos. O longa-metragem evidencia características típicas da época, como a cultura dos jovens, a moda vigente e as músicas da época, além de introduzir o humor negro, na figura do irmão de Leatherface. É curioso notar a forma de como a família do vilão é retratada: excêntrica, suja, bárbara. Podemos considerar que o local fosse no Oeste dos Estados Unidos, o que poderia evidenciar a imagem que os estadunidenses tem dessa região: atrasada, subdesenvolvida e o local do “mágico”. Resumidamente, o Oeste representa a região sem lei, que se poderia fazer o que bem entender, por isso a figura do Xerife para levar a ordem e a lei para essa região.
Halloween II – O Pesadelo Continua (1981)
Temos aqui uma outra sequência, dessa vez do clássico de John Carpenter (1978) que não foi tão bem sucedida quanto a anterior. O filme começa exatamente onde acaba o primeiro, mostrando a louca obsessão de Michael Myers (outro grande personagem do terror) por sua irmã Laurie. Típico do terror dessa década, repleto de violência, de jovens e de um suspense aterrorizante, o filme também continua a propagar a figura tão polêmica e cara do psicopata. Essa figura é muito comum no imaginário estadunidense e está presente em muitas obras cinematográficas. O psicopata, frio, calculista seria a imagem de uma sociedade que começaria a questionar alguns valores dela mesma, a começar por sua cultura violenta.
Sexta-Feira 13 (1980)
Falei sobre essa série no especial Sexta-Feira 13 desse ano. Influenciado pelo Halloween (1978), de John Carpenter, surge essa tão prestigiada sequência de terror. O longa-metragem inicia-se no Acampamento de Crystal Lake, onde dois jovens monitores são assassinados em 1958, fazendo com que o campo fosse interditado. Vinte e dois anos depois, em 1980, o acampamento está prestes a ser reativado e os assassinatos novamente voltam a ocorrer. Dessa vez temos a imagem do serial killer, ou seja, do assassino que atua em série. A grande vilã desse filme é a mãe de Jason, Pamela Voorhees, que decide vingar dos responsáveis pelo afogamento de seu filho. É importante destacar que Jason aparece no segundo filme da série (1981) e continua daí por diante, tornando o grande protagonista dessa sequência. Temos no filme e na série em geral, os elementos desse gênero: os jovens em larga escala e os seus valores (podemos considerar a geração do “sexo, drogas e rock n’roll”). Outros elementos curiosos são o fato do filme – e dos filmes – ser ambientado no interior do país, no lendário Crystal Lake, que seria o local do místico, do mágico. Também uma outra questão que ressaltamos é a imagem da figura do serial killer. Ora, qual seria a importância de trabalhar com uma figura tão polêmica da história dos Estados Unidos? Não nos esqueçamos que foi nesse período que atuou grandes serial killers do país, como Charles Manson e John Wayne Gacy. Será que, através do cinema, queria-se entender a lógica e o perfil desses assassinos em massa? Estaria a sociedade estadunidense, como dito anteriormente, questionando sua cultura violenta?
A Hora do Pesadelo (1984)
Realizada pelo cineasta Wes Craven, temos aqui um outro filme que gerará uma das mais conhecidas séries cinematográficas do gênero de terror. Após assassinar e molestar jovens em uma pequena cidade do interior – volta aqui a imagem do “mágico” -, Freddy Krueger é queimado vivo por um grupo de cidadãos que resolvem fazer justiça com as próprias mãos (isso poderia estar associado no fato de que o cidadão estadunidense tenha desconfiança com alguns órgãos estatais, entre eles o sistema jurídico). Após alguns anos, ocorrem assassinatos de jovens, outro elemento característico, que estavam dormindo. Descobre-se então, que o espírito de Krueger está aterrorizando e assassinando os jovens da Elm Street, como forma de vingar-se dos seus algozes. Craven inova ao introduzir o embate entre o imaginário e o real, ou seja, como essas duas categorias se entrelaçam. O cineasta faz quase um estudo psicológico, onde tenta entender como o medo influencia na reprodução de imagens horripilantes. Nesse filme, Craven busca identificar como uma necessidade humana, que é o sono, é privada por elementos externos, como o medo e a violência. Em termos gerais, poderíamos entender esse filme como um estudo ou uma análise do imaginário do medo impregnado na sociedade estadunidense, devido a violência. Por fim, a morte dos jovens, tidos como o futuro da nação, no filme, e nos outros filmes citados anteriormente, poderia ser explicada como um empecilho a uma juventude que expressasse valores adequados pela sociedade. Que tipo de jovens morre nesses filmes? Os que gostam de praticar sexo, usar drogas, consumir bebidas alcoólicas. Esses jovens são idealizados como “debiloídes”, que são facilmente mortos pelo vilão. E que tipo de jovem sobrevive? O que, de certa forma, cultiva dos valores tradicionais: os bons meninos, os que se abstêm do sexo, das drogas e do vício.
Brinquedo Assassino (1988)
O assassino Charles Lee Ray, Chucky, é assassinado em um tiroteio e, antes de morrer, transfere sua alma – através de um ritual voodoo – para um boneco. Após uma série de casualidades, esse brinquedo para nas mãos do pequeno Andy, que se torna o nome amigo de Chucky. A intenção do boneco demoníaco é transferir sua alma para o corpo de Andy, porém seus planos são colocados por água a baixo. Como título de curiosidade, o nome de Chucky é inspirado nos famosos homicidas estadunidenses Charles Manson (assassino de Sharon Tate, esposa do cineasta Roman Polanski), Lee Harvey Oswald (assassino de John F. Kennedy) e James Earl Ray (assassino de Martin Luther King). É interessante a incorporação de um novo elemento: a utilização da criança. Como ocorreu em O Iluminado (1980), a criança é o protagonista do enredo e convive com toda a situação de terror e medo. Entretanto, a criança aqui não é molestada, a violência que ela sofrerá é de caráter espiritual, ou seja, perderá a sua alma. Não seria uma violência explicita ou carnal, mas uma violência espiritual. No que o filme inova? Primeiro, não é mais no interior, mas sim em uma grande cidade (Chicago). Um elemento polêmico é a figura do boneco, do brinquedo. No imaginário popular de grande parte das sociedades ocidentais tem essa desconfiança em bonecos. O historiador cultural Robert Darnton, em seu livro O Grande Massacre de Gatos, cita brevemente a figura demoníaca do boneco na França do século XVIII. Resumindo, o serial killer utilizaria de um elemento infantil, como o caso de um boneco, para prosseguir com a sua violência e transferir sua alma para uma criança. O que ocorreria se Chucky conseguisse a transferência? Andy/Chucky tornaria um assassino infanto-juvenil? Qual seria o impacto do público ao ver um filme que tivesse uma criança assassina (podemos tomar como paramento o filme O anjo malvado, de 1993)?
Filme além dos clichês…
O Iluminado (1980)
Sem dúvidas, esse é um dos melhores filmes de terror da história do cinema estadunidense. Baseado no romance de Stephen King e adaptado pelo premiado Stanley Kubrick, o filme conta a história de um homem que é contratado como guarda de um hotel, no período de inverno, no interior, longe das grandes cidades. Jack é acompanhado por sua esposa e o seu filho na viagem, sendo seus únicos companheiros no hotel. Com o passar do tempo e devido ao isolamento social, Jack começa a desenvolver graves transtornos mentais, adquirindo um comportamento agressivo e violento. Como estopim, Jack tenta atacar seus familiares, decidindo assassiná-los. Basicamente, o filme pode ser entendido como um terror psicológico, onde observamos a transição de um sujeito calmo para um violento. Jack seria a idealização do homem estadunidense que, isolado dos grandes centros ou por conta de um acontecimento que fugiria da sua rotina, estoura e adquire um comportamento agressivo, quase selvagem. O que talvez o longa-metragem passaria: o sujeito comum estadunidense quando posto a prova de uma situação embaraçosa, de um continuo estresse, de um isolamento social, vai adquirindo comportamentos violentos, agressivos. Não nos esqueçamos que, por falta de um convívio social e por observar as desigualdades sociais nova-iorquinas, Travis Bickle (de Taxi Driver, 1976) adquire um comportamento agressivo e articula um assassinato. Essa lógica seria a mesma do filme de Kubrick. Vale lembrar que nesse período os estudos que estavam relacionados com o comportamento violento de alguns assassinos, derivados de contextos sociais, estavam em alta e explicavam casos que foram manchete nos jornais. Finalizando, aqui o terror seria psicológico e tornaria o espectador um dos testemunhos, ou até mesma vítima, da degradante transição de Jack. O que levaria o idealizado bom e pacifico homem americano (o mito do Jackson) a tornar-se um homem violento? A sociedade individualista e mesquinha, e também o isolamento social. Há, portanto, uma crítica à sociedade civil estadunidense.