Por Mário Neto
Em tempos de discussão acerca de linhas editoriais tendenciosas e antiéticas envolvendo questões como levantes sociais, manifestações e protestos, cria-se a necessidade de reflexão quanto ao potencial destrutivo da grande mídia na construção de heróis e vilões, manipulação de fatos e o seu papel efetivo na criação de situações de espiral do silêncio (fenômeno caracterizado pelo silenciamento de uma opinião minoritária em um contexto social em que a opinião majoritária se imponha).
Embora essa não seja uma temática exclusivamente recente e regional, a parcialidade dos meios de comunicação bem como o ardil de jornalistas é um assunto recorrente através da história mundial desde a popularização da imprensa. E o cinema como expressão artística e reflexiva da sociedade não poderia deixar de abordar o tema, confira os filmes mais marcantes na lista que fiz para o Cinemascope!
Cidadão Kane (Citzen Kane – 1941)
Eleito o melhor filme de todos os tempos por 50 anos seguidos, segundo a revista britânica Sight & Sounds, umas das mais respeitadas e importantes revistas de cinema do mundo, a obra-prima do ator, produtor, roteirista e diretor Orson Welles obteve um impacto gigantesco na sociedade americana dos anos 1940 gerando grande comoção e acalorados debates, tendo em vista não apenas o teor altamente polêmico do seu roteiro, mas também como inovações revolucionárias em aspectos técnicos e criativos.
Inspirado em uma grande figura da mídia americana, o milionário Willian Randolph Hearst, o filme narra de maneira cronologicamente não-linear (algo até então inédito nas produções da época), a vida de Charles Foster Kane, um grande magnata da imprensa americana, desde sua infância carente, passando por sua ascensão na construção de um gigantesco império de comunicação e culminando em sua decadência.
Ao nos apresentar a figura de Charles Foster Kane, um megalomaníaco que detém o controle absoluto dos meios de comunicação de um país utilizando-os de acordo com seus interesses pessoais, Welles propõe de maneira brilhante uma dura crítica a monopólio da comunicação, defendendo o direito a democratização da informação, fazendo com que Cidadão Kane seja referência absoluta no quesito.
Rede de Intrigas (Network – 1976)
Do aclamado diretor Sidney Lumet, a projeção tem como trama central a demissão do experiente âncora Howard Bale (Peter Finch), que ao indignar-se com a notícia resolve anunciar seu suicídio ao vivo no programa seguinte. Imediatamente o ocorrido causa imensa comoção popular, com isso a emissora passa a explorar o fato tendo em vista os crescentes números da audiência, ao passo que Bale inicia um processo de completa insanidade, até finalmente alcançar a condição de uma espécie de profeta delirante pré-apocalíptico, transformando seu público em seguidores absolutos e seu jornal em um show bizarro de eloquência alógica.
Rede de Intrigas apresenta de maneira ácida e irônica uma das visões mais agudas que o cinema já produziu sobre o poder de persuasão e controle, que uma programação televisiva pode exercer nas pessoas. Apesar de contextualizar uma sociedade americana dos anos 1970, a análise crítica que o filme propõe se faz extremamente atual, uma vez que a passividade do telespectador contemporâneo e sua fácil imersão continuam quase que a mesma de 40 décadas atrás.
Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men – 1976)
Todos os Homens do Presidente recria com uma impressionante riqueza de detalhes e informações o caso de Watergate, maior escândalo político da história americana, que teve como resultado a renúncia do então presidente do país Robert Nixon.
O jornalista Bob Woodward (Robert Redford), recém-contratado do Washington Post, presencia acidentalmente uma invasão de 5 homens ao edifício Watergate, intrigado com o fato e em busca de expor sua competência à nova empresa, Bob resolve investigar o ocorrido. Contudo, o jornalista não detém muito conhecimento no âmbito político, assim Woodward pede ajuda ao seu companheiro de trabalho Carl Bernstein (Dustin Hoffman), um experiente e renomado repórter investigativo. Os dois então iniciam uma longa e minuciosa busca pela resolução do estranho acontecimento.
O filme enaltece a importância de um trabalho jornalístico investigativo desenvolvido de modo correto, ético, incansável, implacável e acima de tudo imparcial. Carl e Bob determinados e comprometidos com a causa de buscar a verdade acima de qualquer posição política, exercem uma função notável, trazendo à tona a informação de maneira precisa, feita pacientemente e com uma sagacidade admirável. Um contraste extremamente expressivo com o tipo de jornalismo que observarmos todos os dias a nossa volta, em que a necessidade da divulgação da notícia em primeira mão na disputa com o concorrente, supera a importância da apuração dos fatos, nos trazendo diversas vezes informações errôneas e desconexas, fazendo com que nós nos tornemos céticos quanto à qualidade do que é divulgado na grande mídia.
O Quarto Poder (Mad City – 1997)
Max Bracket (Dustin Hoffman) é um repórter televisivo que atravessa um momento ruim em sua carreira que em outrora havia sido prestigiosa. Designado para desenvolver uma matéria corriqueira em museu da cidade, ele acaba acidentalmente presenciando uma ação desesperada de um ex-funcionário do museu, Sam Baily (Jhon Travolta), que no intuito de reclamar seu emprego de volta à diretora do museu, acaba por ameaçar e ferir um ex-colega de trabalho com uma espingarda, além de manter um grupo de crianças que visitavam o museu como reféns. Bracket então compreende a situação como um furo de reportagem com um altíssimo potencial, assim o jornalista passa a persuadir o segurança a dar entrevistas oferecendo-o em troca a oportunidade de este obter visibilidade, transformando aquela situação em uma enorme vitrine midiática atraindo a atenção do país inteiro.
Ao desenrolar da estória, percebemos que rapidamente as coisas saem do controle, fazendo com que a estratégia de Bracket se volte contra ele. A imprensa televisiva molda a opinião pública, transformando rapidamente a figura de Baily em um assassino impiedoso, visto que a veracidade dos fatos e o que realmente estava acontecendo naquele ambiente pouco importava, uma vez que os índices de audiência são a única preocupação das emissoras. Assim concluímos que a ação egoísta de Max e sua ânsia em obter um furo de reportagem, aliado ao cinismo sensacionalista das emissoras de televisão culminou em um desastroso desfecho para os envolvidos naquela circunstância.
Mera Coincidência (Wag the Dog – 1997)
As vésperas das eleições presidenciais, o atual presidente dos Estados Unidos encontra-se envolvido em um suposto escândalo sexual. Prevendo um massacre da opinião pública e uma eminente derrota, sua equipe de comunicação desenvolve uma estratégia para que o caso não venha a público. Decidem então contratar um produtor cinematográfico a fim de que este possa criar uma guerra fictícia contra a Albânia, fazendo com que a situação desconfortável que se encontra o presidente seja mascarada e deixada para segundo plano.
Percebemos através do filme, a enorme facilidade com que se criam condições favoráveis de acordo com o interesse de instituições políticas. Estas que manipulam a grande mídia, que por sua vez estabelece a posição da opinião pública, controlando o que deve ser, ou não, passível de dúvida e o que deve ser aceito como verdade absoluta, e assim passamos a acreditar e defender em tudo que lemos, ouvimos e assistimos ignobilmente.
Filme além dos clichês…
A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole – 1951)
Escrito e dirigido pelo mestre Billy Wilder e estrelado por Kirk Douglas, o enredo do longa (leia a crítica aqui) gira em torto do experiente jornalista/repórter Charles Tatum (Kirk Douglas), que após ser demitido de uma série de jornais de grandes cidades por diversos motivos, observa sua carreira chegar ao nível mais baixo quando se vê obrigado a pedir emprego em um jornal de expressão ínfima numa pequena cidade no interior do Novo México.
Percebendo que o período que pretendia ficar no emprego se estendera muito além do planejado, o jornalista cai em desolamento e desmotivação. Contudo, a caminho de outra reportagem entediante Tatum descobre que um homem ficou preso em uma mina abandonada perto dali, rapidamente ele percebe a possibilidade de uma grande história. Em pouco tempo toma controle da situação, fazendo com que o resgate do homem preso se torne um grande acontecimento de enorme repercussão, atraindo imprensa, curiosos e até mesmo turistas de toda parte do país.
No momento em que o repórter está tão obcecado com o potencial da matéria, ao ponto de retardar propositalmente o resgate colocando uma vida humana em risco, percebemos o detrimento da ética jornalística em função da obtenção de um mérito na carreira, nada mais nada menos que o tão famigerado sensacionalismo. O completo e total descaso travestido de falso heroísmo, o triunfo profissional obtido através do flagelo alheio.