Por Rafael Werk
Aos 69 anos, com toda técnica cinematográfica dominada, experiência de sobra e o peso do nome, Samuel Fuller dirigiu White Dog (Cão Branco). Um de seus filmes mais brilhantes e também o que fechou as portas de Hollywood para o diretor.
O filme, lançado em 1982, conta a história de uma jovem atriz que atropela um cachorro na estrada. Sentindo-se responsável, começa a tomar conta do animal até que a relação se estreita entre os dois. Mas ela descobre que o animal é treinado para matar negros. A garota Julie, então, contrata Keys, um domador negro, para tentar curar o seu cão branco.
Baseado no livro homônimo de Roman Gary, o filme era para ser dirigido, a princípio, por Polanski. Por problemas com a lei, o diretor fugiu do país e o projeto ficou parado por 6 anos. A ideia inicial da Paramount, que havia comprado os direitos do livro em 1975, era ter um blockbuster nas mãos. Uma espécie de “tubarão com patas”. Para isso, as questões de preconceito existentes na história deveriam ser minimizadas. Então, em 1981, Fuller é chamado e de prontidão aceita.
Com material tão precioso nas mãos, o diretor leva a história para um caminho bem diferente. O tema é violento e o filme não diverge. A possibilidade de desaprender o racismo, o quanto pessoas brancas entendem da seriedade do problema, a dúvida se a culpa mora em quem ensina ou em quem aprende. Tudo destacado de maneira direta e crua.
Numa sequência, Julie e Keys conversam sobre as razões de se fazer algo tão cruel. O homem explica que, antigamente, os cães brancos eram treinados para caçar escravos que fugiam. Então eles (os adestradores) “progrediram”. Treinaram para rastrear negros que escapavam das prisões. Julie inocentemente pergunta: “E os brancos fugitivos?”. Keys apenas a fita com comiseração e ri.
Hollywood, claro, não aguentou o impacto. Com um tema áspero assim, tratado de forma tão visceral, a indústria resolveu esconder o filme. Realizou poucas sessões de pré-estreia e não lançou. Ressentido com tamanha hipocrisia, Samuel resolveu não brigar mais com o monstro. Foi para a França e nunca mais filmou nos Estados Unidos.
Cão Branco é uma aula de como fazer cinema. Os 15 minutos finais são admiráveis pelo tamanho atrevimento. Câmera na mão, travelings penetrantes, supressão de som, câmera lenta, trajetórias audaciosas, closes.
Que bom poder pegar um filme de Fuller e não esperar menos que isso!
Trailer em inglês feito por fã (não há trailer oficial):