Por Frederico Cabala
Woody Allen não abre mão de algumas coisas. Entre elas o tradicional jazzinho na abertura de filmes. De lei. Olhando em retrospectiva, muitos de seus trabalhos fazem uso de tal e a escolha das músicas parece sempre introduzir a atmosfera do que vem por aí. Ele é mestre nisso. Levando a música tão a sério quanto o cinema (ele se apresenta com um grupo de jazz semanalmente em Nova York), Woody Allen sempre fascina no quesito trilha sonora.
Setembro (1987) começa sem imagens, só com as notas do jazz On a Slow Boat to China deslizando por um piano solitário.
A ideia do filme de cara não é nada atraente. São seis personagens numa casa de campo em Vermont durante um fim de semana. Mas Woody Allen confia no que tem de melhor para sustentar o longa: os diálogos. No caso, o diretor repete um pouco do que já havia feito em Interiores (1978) e faria ainda um ano depois em A Outra (1988), nos quais sua veia humorística é deixada totalmente de lado pra dar lugar ao drama puro e cru. Aqui em Setembro são apresentadas frustrações da maturidade sem fazer o trágico soar cômico.
Lane (Mia Farrow) se recupera na propriedade rural da família desde que sofreu colapso nervoso. Seu vizinho sempre solícito Howard (Denholm Elliott) está apaixonado por ela, que não o corresponde por estar interessada em Peter (Sam Waterson), publicitário e escritor que, por sua vez, está apaixonado por Stephanie (Dianne Wiest), melhor amiga de Lane. A mãe desbocada e o padrasto físico quântico vão para o campo passar o fim de semana e todos se encontram nesses dias. Assim, o enredo do filme se desfia na base dos desencontros de interesses e atração que beira A Quadrilha, de Drummond.
Dramas particulares forçam esses personagens perdidos na crise da meia-idade ao refúgio na introspecção. Ganham mais destaque ruídos de grilos, barulho da chuva e músicas de Art Tatum do que conversas, mas elas são reveladoras quando acontecem. Sintetizam Setembro frases como “Você olha pro espelho, vê que tem algo faltando e então percebe que é o futuro” e “Tudo é aleatório, com origem aleatória do nada e eventualmente desaparecendo para sempre. Não estou falando sobre o mundo, mas sobre o universo inteiro. Tudo é uma convulsão passageira.”
Os longos planos rígidos e a iluminação à meia-luz conferem um clima bem intimista de noite chuvosa na casa de campo adornada com muitos móveis de madeira e abajures extravagantes. Decoração bem anos 80. Consta que o diretor optou pelos cortes demorados e câmera estática para criar um clima de peça de teatro sendo capturada num filme. Os atores, com destaque para Mia Farrow, são o ponto alto do filme, tanto pelo desempenho individual como pela sintonia entre eles (é o terceiro filme em que trabalham juntos Mia Farrow, Dianne Wiest e Sam Waterson). Tendo em vista a escassez de falas, eles transmitem todas as frustrações melancólicas só através de gesto e olhar vazio.
Setembro, assim como A Outra, é considerado por muitos um trabalho menor na carreira de Allen. Sofreu rejeição de crítica e público na época do lançamento. Pessoalmente, confesso que não entendo como. Em uma década versátil para o diretor como os anos 80— que abrange desde o fake documentário Zelig (1983), o fantasioso A Rosa Púrpura do Cairo (1985), a comedia romântica Hannah e Suas Irmãs (1986), e chega no suspense Crimes e Pecados (1989) —, chama atenção como Woody Allen descarta o território seguro da comédia e mergulha fundo no drama existencial em filmes tipo Setembro.
O título do longa se refere ao fim do verão do hemisfério norte, época em que se passa a narrativa. Combina também com o jazz September Song, já interpretado por Art Tatum e que fez parte da trilha sonora do anterior de Allen — A Era do Rádio (1987).
Curiosidades:
• Woody Allen se inspirou em Tio Vânya, peça de Tchékhov que conta com poucos personagens e se passa numa única locação por um curto período de tempo.
• Mia Farrow e Woody Allen trabalham juntos pela nona de um total de treze vezes.
• O diretor foi bastante exigente nesse longa. Woody Allen filmou duas ou três versões para cada cena. Após tentar combiná-las de várias maneiras na edição do filme, odiou o resultado. Então trocou parte do elenco e refilmou o filme inteiro. Conta-se que após a refilmagem o diretor ainda pretendia fazer tudo novamente pela terceira vez.
• Setembro é até hoje o maior fracasso de bilheteria do diretor americano. O longa custou em torno de 10 milhões de dólares e arrecadou 485 mil.
Veja o trailer: