Solar Walk conta de forma poética e cativante uma história sobre sentimentos e faz uma reflexão acerca do ego incansável do ser humano. O curta, exibido no Festival de Berlim e no americano SXSW, nos leva a um espaço com diferentes criaturas e seres que pacificamente nos fazem refletir sobre temas como o imperialismo e artes plásticas.

Realizado a partir do método surrealista de 1920 da escrita automática*, os gigantes seres vão se redescobrindo a partir da narrativa e outros vão aparecendo, e aqui, os humanos são pequenas criaturinhas comandadas por esses seres maiores com características de animais. No início, formas geométricas vão se mesclando e criando novas, como engrenagens ou um jogo matemático, essa natureza é como uma peça de uma grande máquina que é o universo. O surrealismo impera não somente na forma como também no visual, o estilo de animação, muito bem trabalhado e realizado, por vezes é uma arte contemporânea como artes gráficas de HQ, ou então tem uma textura como de cartazes de propagandas antigas ou simplesmente como um desenho de vaso grego.

A grande questão em “Solar Walk” é mostrar como somos ignorantes se ainda pensamos que estamos sozinhos no universo ou que somos melhores por sermos racionais ou a tecnologia que temos. Um dia numa aula um professor me disse que os humanos eram melhores que animais, por não voamos mas temos avião, não corremos super rápido mas temos carros, etc., além do que o mesmo disse que “animais não tem alma por que não são racionais”. O que apenas reflete o quão equivocados somos, pois mesmo tendo toda essa tecnologia não conseguimos viver sem guerras ou sem destruir o próprio local e que vivemos. Réka Bucsi traz justamente essa grande metáfora das criações, ao colocar a maioria dos personagens em pares, nos relembrando de Adão e Eva, e sempre os personagens criando algo, seja uma forma geométrica ou redescobrindo algum local. Tendo também a alusão ao imperialismo, de como achamos que somos donos de tudo e sabemos de tudo, sempre prontos a explorar novos locais e escravizar os animais.

Com um belo trabalho visual e de trilha sonora, com os pequenos detalhes do mundo criado pela diretora alemã dando para serem ouvidos misturados a linda trilha sonora, a nossa noção de espaço é outro fator utilizado por Réka para a grande questão do filme. Os planos e composições de cena sempre nos confundem, a noção de tamanho por vezes por conta dos enquadramentos nos fazem desperceber a dimensão que estamos vendo. O que é a referência ao nosso existir e de onde estamos localizados nesse grande universo.

*Escrita automática é o processo de produção de material escrito que objetiva evitar os pensamentos conscientes do autor, através do fluxo do inconsciente. Através da escrita automática o eu do poeta se manifestaria livremente de qualquer repressão da consciência e deixaria crescer o poder criador do homem fora de qualquer influxo castrante. Seu propósito é vencer a censura que se exerce sobre o inconsciente, libertando-o através de atos criativos não programados e sem sentido imediato para a consciência, os quais escapam à vontade do autor. (Fonte: https://bit.ly/2qRrZGg)

**esta crítica faz parte da cobertura do Cinemascope no Indie Lisboa – Festival Internacional de Cinema de Lisboa

Assista ao teaser: