Por Juliana Mangorra
Sob os créditos iniciais, a silhueta de duas pessoas fumando aparece desenhada na sombra. Enquanto isso, a fumaça do cigarro apresenta os nomes de Lauren Bacall e Humphrey Bogart. Um dos casais mais famosos do cinema protagoniza um clássico do gênero noir: À Beira do Abismo (The Big Sleep) em 1946, dirigido por Howard Hawks. A boa química nas telas é acompanhada de excelentes atuações, como a conversa de duplo sentido sobre a corrida entre cavalos, que foi escrita especialmente para eles e se tornou um dos momentos relevantes do filme. Hawks quis repetir o sucesso que a dupla teve na estreia de Bacall em Uma Aventura na Martinica (1945).
Baseado no romance homônimo de Raymond Chandler, de 1939, Philip Marlowe (Humphrey Bogart) é contratado pelo milionário General Sternwood (Charles Waldron), que está sendo chantageado novamente. Ele fala para o detetive particular que há um ano pagou US$ 5 mil a Joe Brody para deixar sua filha mais nova, Carmen Sternwood (Martha Vickers), em paz. Agora, Arthur Gwynn Geiger (Theodore von Eltz) deseja receber o dinheiro referente às dívidas de Carmen, às quais o General não acredita serem de jogo como é descrito no bilhete que lhe foi entregue.
Antes de sair da mansão dos Sternwood, Marlowe é chamado pelo mordomo Norris (Charles D. Brown) para ir ao quarto da filha mais velha, Vivian Sternwood Rutledge (Lauren Bacall), que lhe pede para encontrar o amigo de seu pai, Shawn Regan. Aos poucos, ele descobre que até Vivian esconde segredos e o caso é mais complexo do que parece, envolvendo desaparecimentos e assassinatos (muitos destes que ocorreram antes da trama).
A ausência de informações importantes sobre alguns personagens dificulta a compreensão exata dos acontecimentos, deixando-os sob o ponto de vista de Marlowe e da imaginação do público. O enredo foi complicado até para o elenco que chegou a perguntar na época para Chandler quem teria cometido um dos assassinatos. Dizem que o autor não sabia a resposta, porque isso não importava. De acordo com ele, o que prendia a atenção de quem está assistindo não era a solução dos crimes, mas o relacionamento entre o anti-herói e a mulher fatal.
Então, novos diálogos irônicos foram criados para os protagonistas. Diversos críticos consideram a interpretação de Humphrey Bogart como a melhor já feita do sarcástico detetive. A voz grave e o olhar “insolente” de Lauren Bacall também foram pontos explorados que contribuíram para as mudanças no roteiro. O olhar penetrante e a expressão “glacial” da atriz foram fabricados em Uma Aventura na Martinica. Como ela ficava muito nervosa diante das câmeras, Hawks sugeriu que ela inclinasse a cabeça e puxasse o cabelo para o lado do rosto. Com isso, ela pressionou o queixo contra o peito e levantou os olhos em direção à câmera. O resultado disso ficou conhecido como The Look e marcou a carreira de Bacall.
Mesmo assim, o desempenho de Martha Vickers como a garota infantil e alienada foi tão intensa que começou a ofuscar o trabalho realizado por Bacall, que era a grande aposta dos estúdios Warner Bros. Por isso, Hawks teve que diminuir a participação de Carmen na história e até filmar novas cenas com Vickers.
Outro motivo que levou a redução de algumas partes do longa foi o Código Hays, que regulava naquela época questões como violência, sexualidade e comportamento das produções hollywoodianas. Dessa forma, alguns temas, como a ninfomania de Carmen e a revelação do assassino de Shawn Regan, foram cortados por causa da censura cinematográfica.
– Este foi o 2º filme que Humphrey Bogart e Lauren Bacall trabalharam juntos. Os demais foram: Uma Aventura na Martinica (1945), citado no texto, Prisioneiros do Passado (1947) e Paixões em Fúria (1948).
– Embora seja um considerado um clássico, À Beira do Abismo não foi indicado a nenhuma categoria da premiação do Oscar.
– Em 1978, foi feito um remake com o título brasileiro A Arte de Matar.
– Embora À Beira do Abismo tenha sido lançado em 1946, ele começou a ser filmado em 1944. Na época, Lauren Bacall tinha apenas 20 anos.
Veja o trailer: