Por Frederico Cabala
De largada, A Chegada parece operar a partir de uma narrativa linear. As primeiras frases do longa se referem a memórias afetivas de uma personagem que tenta organizar as lembranças em começo, meio e fim. Nesse sentido, o filme progride inicialmente em uma sequência temporal aparentemente cronológica. Mal sabemos que, à medida que avança, A Chegada descortina uma intrincada lógica temporal que cresce e se embaralha à medida que o filme se encaminha para o seu final que, pela perspectiva de tempo esférico desenvolvida, tanto faz: o fim pode ser o seu meio ou seu começo.
O filme retrata a chegada ao mundo de doze naves alienígenas de mais de 400 metros de altura que bem se distribuem pela superfície do planeta. Diante da absoluta incerteza acerca do propósito dessa visita, o exército americano decide integrar à sua equipe a renomada linguista Louise Banks (Amy Adams). Com a ajuda do físico Ian Donelly (Jeremy Renner), Dra. Banks tenta fazer um trabalho de troca linguística com os Heptapods — o nome que deram aos aliens. Afinal, como desenvolver qualquer contato sem entendimento, e mais: como entender o querem os Heptapods sem um sistema de trocas simbólicas? Essa sacada da linguista, entretanto, não parece ser bem aceita pelos demais membros da equipe, ansiosos por resultados pragmáticos. Ao ser pressionada pela evolução mais rápida da interação com os extraterrestres, Dra. Banks responde agudamente: “Antes de trocarmos equação com eles, podemos pensar antes em conversar e nos entendermos”.
Nessa aproximação científica reside o grande trunfo de A Chegada. Mais do que uma criativa adaptação para as telas do conto Story of your life, de Ted Chiang, e além da bela sincronia entre montagem e enredo proporcionada pela direção de Denis Villeneuve, o filme foge do usual ao incluir as ciências humanas como protagonista de uma ficção científica, as sujeitando também a fervorosas análises e questionamentos por parte dos espectadores.
Ao ser convidada para integrar a equipe investigativa, a personagem linguista recebe um arquivo em áudio do Coronel Weber (Forest Withaker), que a pede para traduzir a linguagem dos alienígenas, como se isso pudesse ser resolvido com uma equação. Sabidamente, Dra. Banks impõe a necessidade de um contato social e “humano” com os ETs. Lá pelas tantas, ao expressar suas hipóteses linguísticas, o físico Ian a admira: “Você pensa como uma matemática”, ao que ela rebate: “Vou tomar isso como um elogio”.
A grande dúvida da equipe investigativa do filme é se os Heptapods vieram ao planeta para provocar uma guerra entre nações ou se, ao contrário, para unir nações que se desentendem. Ecoando essa questão para o plano do enredo do filme, podemos nos perguntar se o papel da inserção da linguista na história também não representa uma proposta de entrelaçamento entre ciências exatas e humanas, cuja separação ao longo dos séculos foi tão prejudicial ao desenvolvimento intelectual humano, conforme defende o físico e escritor C.P. Snow no livro As duas culturas, de 1959.
A integração científica fica bem demonstrada em A Chegada quando o físico Ian sugere a aplicação de uma hipótese da linguística para o caso da língua não linear dos alienígenas visitantes. Trata-se da hipótese de Sapir-Whorf — hoje já praticamente superada, mas aplicada com habilidade poética no filme —, que defende a linguagem como ingrediente determinante para a formação do pensamento. Assim, como a concepção de escrita dos Heptapods corresponde a um padrão não sequencial, também a mente desses seres é fundada em uma lógica não temporal. Investindo nisso, A Chegada se tece de modo ousado, bonito e surpreendente, com um clímax que bem lembra o cinema de Christopher Nolan.
A Chegada (Arrival)
Ano: 2016
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Heisserer, baseado no conto “Story of your life”, de Ted Chiang
Elenco Principal: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker
Gênero: Ficção científica
País: EUA
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