Por Paulo Júnior
O velho provérbio já aponta que a propaganda é a alma do negócio, entretanto, além da questão propagandista, está o fato de quanto mais algo é proibido ou censurado, mais fica interessante e desperta a atenção de um amplo grupo social. Esse é o caso do longa-metragem A Entrevista, que causou polêmica na segunda metade de 2014 pelo conteúdo de seu enredo.
Saindo das notícias de entretenimento e indo para os noticiários políticos, o filme de Seth Rogen e Evan Goldberg ganhou destaque internacional em junho, quando o trailer foi lançado, provocando as autoridades da Coréia do Norte, que prometeram uma resposta inexorável caso a produção fosse lançada. Os conflitos diplomáticos relacionados ao filme foram se desenvolvendo ao passar dos dias até que, em novembro, um grupo de hackers conhecidos como “Guardiões da Paz” invadiu o sistema da Sony Pictures, divulgando informações secretas e confidenciais e “roubando” produções que seriam lançadas nos próximos meses. Essa atitude fez com que a Sony cancelasse a exibição do longa.
Apesar do governo estadunidense culpar as autoridades norte-coreanas pelo atentado “ciberterrorista”, prometendo até retaliações às ações cometidas, ainda não se sabe se o ataque partiu de algum ponto da Coréia do Norte ou foi patrocinada pelo governo desse país. Após todas essas polêmicas, o filme foi lançado no Natal do ano passado, lotando as salas de cinema em todo o país, com pessoas que levaram a bandeira dos Estados Unidos, demonstrando seu patriotismo acrítico e suas ideologias conservadoras e xenofóbicas, pautadas na ideologia WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant, ou em português: Branco, Anglo-Saxão e Protestante).
Além do lançamento nos cinemas, o filme foi comercializado na internet, onde empresas, como o YouTube, venderam cópias digitais do longa-metragem. É aí que começa a segunda parte dessa longa história, que assemelha-se a um drama clichê e previsível de uma telenovela sem qualidade técnica. O desfecho de toda essa sequência de fatos é simples: o filme é fraco, acrítico, sensacionalista e não passa de um besteirol a mais das produções cinematográficas hollywoodianas.
Logo nos créditos iniciais, notamos a animação da Pint Grey Pictures, produtora de Rogen e Goldberg, que dá uma previsão do enredo: Kim Jong-un sentado em um unicórnio, protegido por um exército armado de bombas e tanques e, à frente, uma mulher rasgando a bandeira dos Estados Unidos, símbolo (para os estadunidenses, diga-se de passagem) da democracia. A primeira cena do filme tem ligação com a animação da Pint Grey, mostrando uma garota norte-coreana cantando um hino anti-estadunidense, desejando aos Estados Unidos todo mal da terra e acusando-os de arrogantes, estúpidos e malvados.
A seguir, a imprensa estadunidense caracteriza Kim Jong-un (Randall Park) como um ditador brutal, megalomaníaco e sanguinário. Essa passagem contrasta os dois pontos de vista inimigos: EUA e Coréia do Norte. Eis que aparece Dave Skylark (James Franco), apresentador do programa de celebridades “Skylark Tonight” (uma espécie de “Luciana by Night”), que conduz uma entrevista com o rapper Eminem. Após uma crise do produtor televisivo Aaron Rapaport (Seth Rogen), que quer realizar trabalhos consistentes e mais inteligentes, e depois da publicação de uma matéria da Times que dizia que o ditador norte-coreano era fã da atração televisiva, Dave e seu produtor conseguem uma entrevista inédita com Kim, em Pyongyang, capital da Coréia do Norte.
Não dura muito para a CIA criar um plano para exterminar o ditador, cooptando Dave e Aaron, que, em um primeiro momento hesitam, mas depois aceitam o trabalho “patriótico”. Ao chegarem à Coréia do Norte, os dois têm suas opiniões formadas acerca da sociedade do país (des) construídas pela general do exército norte-coreano Sook (Diana Bang), que irá controlar a transmissão e realizar o roteiro de perguntas da entrevista.
Dave encontra Kim e descobre que ele não passa de um playboy que vive cercado por belas mulheres, carros luxuosos, bebidas à vontade e costumes bem “americanizados” (como, por exemplo, o gosto pelo basquete). Kim também é caracterizado como um homem sensível, que precisa sempre da aprovação dos outros, que foi desprezado por seu pai (o ditador Kim Jong-il), fã incondicional de Katy Perry e de margaritas. Em resumo, a personagem de Kim é um jovem inseguro sexualmente e politicamente, capaz de explodir um país para provar seu potencial, na tentativa de impressionar os demais. No meio disso tudo, Kim e Dave tornam-se amigos inseparáveis e o apresentador estadunidense recua no plano de assassinar o ditador.
Após uma série de eventos, Dave descobre que Kim é cruel e que mentiu para ele, ocultando realidades do seu país e manipulando-o com luxo, sexo e drogas. Nesse momento, Aaron, que é apaixonado por Sook, descobre que esta é contra o ditador e estabelece uma aliança para derrubar o governo ditatorial, através de uma entrevista que mostre as fraquezas de Kim, visto pela população local como um deus.
É armado o plano, a entrevista é realizada, Kim é desmoralizado ao vivo para todo o mundo e morre de uma forma previsível e já vista em muitas produções. Após voltarem para os EUA, Dave e Aaron são vistos como “patriotas” que serviram ao seu país. O desfecho final é simples: os dois americanos assassinaram o ditador, provocando uma revolução (desenvolvida por pessoas ligadas à Kim, insatisfeitas com sua gestão) e gerando as primeiras eleições democráticas, apoiadas pelos Estados Unidos da América.
Uma cena interessante é quando Dave e Aaron voltam para a casa. Cruzando a Coréia do Sul de barco, a canção “Wind of Chance” (da banda de rock alemã “Scorpions”) é tocada ao fundo, simbolizando, assim como propõe a música, o fim de um regime socialista e o início de uma democracia (é importante destacar que a referida canção foi composta em 1990, pelo vocalista do Scorpions, Klaus Meine, inspirado pelo fim da União Soviética e pela queda do Muro de Berlim).
Como já mencionado anteriormente, o longa-metragem de Seth Rogen e Evan Goldberg não passa de um besteirol, fraco e vulgar, composto por piadas infantis, repletas de conotações sexuais e de conteúdo machista e homofóbico. Com um enredo simples e repleto de clichês, o filme não tem força, pois não detêm grandes interpretações e uma equipe técnica competente. Acreditando ser uma “comédia” política, que poderia mudar os rumos do início do século XXI (essa é a pretensão dos realizadores), o filme não traz nada de interessante, não faz nenhuma crítica consistente, não realiza uma sátira inteligente (como o grande clássico de 1940, O Grande Ditador, do cineasta britânico Charles Chaplin), apenas reproduz todos os estereótipos, os preconceitos, as visões xenofóbicas e machistas e a ignorância da sociedade estadunidense em relação ao resto do mundo, sobretudo, no caso específico, à realidade norte-coreana.
Ano: 2014
Direção: Evan Goldberg, Seth Rogen.
Roteiro: Dan Sterling, SethRogen,Evan Goldberg.
Elenco principal: James Franco, Seth Rogen, Lizzy Caplan, Randall Park, Diana Bang, Timothy Simons.
Gênero: Ação, Comédia.
Nacionalidade: Estados Unidos.
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