Por Guilherme Franco
“Ser artista é abrir brechas. ” (Footit)
O novo filme de Roschdy Zem traz à tona a questão do racismo e da opressão na sociedade francesa do século passado. Rafael Padilla era um ator de circo que foi para a Europa comprado por uma família espanhola e, ao crescer, entrou para a arte circense numa cidade do interior da França, em determinado momento de sua trajetória conheceu o palhaço George Footit e a carreira dos dois deu um salto gigantesco.
Baseado em histórias reais, o roteiro de Cyril Gely reafirma o tom social na filmografia de Roschdy Zem, o longa pega na ferida ao retratar como Rafael sofreu o racismo numa época onde nem se pensava e, muito menos se discutia, sobre termos e agressões como essa. Como diz uma namorada do protagonista em determinada cena: “você ousou trabalhar, isso irritou os brancos” e “amar um negro é um crime para eles”, o artista negro estava perdido em meio a descoberta do preconceito que sofria e todo esse processo de desconstrução que era normatizado pela sociedade retratada. Tendo esses problemas, misturados com a fama e dramas comuns vivido por qualquer um, o palhaço Chocolate era conhecido pelo trabalho com Footit, “o artista que leva uma surra de um branco toda noite”.
A ingenuidade dos personagens vai sendo desconstruída conforme o filme vai avançando. As autodescobertas de Chocolate vão sendo mostradas paralelamente ao aumento de sua fama e poder vão, estes repudiados pelo conservadorismo da época, que não aceitava um negro ter esses “privilégios” e superioridade. Há a presença de um olhar que persiste até hoje, o de exportar o exótico, enxergar o negro como exótico. Durante as cenas no circo, vemos a animalização de Chocolate, que antes interpretava um Rei Africano, Kananga, e em meio a urros e selvagerias apenas assustava a plateia. Mais para frente do longa, temos outro exemplo da animalização e do exótico: Rafael Padilla, agora com maior poder aquisitivo e fama, passeia com sua companheira em meio a uma feira, “Exposição Colonial: 18 territórios”, onde são expostos negros como produtos de consumo artístico, como quadros e esculturas contemporâneas que não se entende o significado.
O filme traz várias sequências revoltantes, mas sobretudo, questionadoras. Uma das cenas mais fortes é quando o protagonista é preso e na cadeia suas costas são escovadas com grandes esfregões até ficar em carne viva para, como dito pelos guardas, “deixar branco”. Passagens como essa mostram a higienização e como a repulsa contra o escuro se tornou algo grave, o mais belo e perfeito em uma sociedade ocidental sempre é o que está mais próximo do claro, do brilhante e do que se parece com jóias e cristais de alto valor. A personagem de Footit, em muitos momentos, teve um impulso para um maior desenvolvimento, como no que diz respeito a sua sexualidade. Quando está no bar, um homem dá uma “cantada” nele, mas ele ignora, e o filme não questiona ou explora mais ganchos como esse.
Tecnicamente o filme é bem realizado, com uma fotografia que explora a textura da pele negra e o acinzentado da cidade parisiense, a direção de arte e o figurino contemplam as vestimentas e cenários da época, sem brilhos e adereços extravagantes, temos um cenário que realmente nos coloca no universo do filme. Chocolate é um filme necessário e é realmente preciso assistir para ver como as permanências de uma sociedade conservadora persiste nos dias atuais.
“Meu trabalho é fazer rir, está ficando cada vez mais difícil”. (Chocolate)
Ano: 2016
Direção: Roschdy Zem
Roteiro: Cyril Gely
Elenco principal: Omar Sy, James Thierrée
Gênero: drama
Nacionalidade: França
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