Por Wallacy Silva
Lorenzo (Jacopo Olmo Antinori) nos é apresentado em um encontro com seu psicólogo. Cabeça baixa. Em pouco tempo de conversa os personagens chegam a um impasse: o que pode ser considerado normal? O garoto parece ter dificuldade para explicar, não ter noção de que o que é normal pra ele pode não ser normal pra outra pessoa. Depois de terminado o filme fica fácil entender a cena em função da obra: é tudo uma questão de ponto de vista.
Lorenzo é um jovem reservado, recluso. Um dos instrumentos que ele usa para se isolar do mundo é o fone de ouvido. Bertolucci aproveita pra tocar The Cure, Red Hot Chilli Peppers, David Bowie, Muse, numa trilha diegética que parece não ser, um recurso cada vez mais utilizado. Ele adiciona uma pitada de indie, buscando o público jovem, grande alvo da mensagem de Eu e Você.
Lorenzo tem uma grande oportunidade para se aproximar dos colegas de escola, uma viagem de uma semana para esquiar, mas ele não quer ir. Com medo da reação da mãe (Sonia Bergamasco) ele resolve se esconder em uma espécie de porão do prédio e ficar lá sozinho pelos sete dias, lendo, ouvindo música e usando seu laptop. Olivia (Tea Falco), sua meia-irmã mais velha, descobre o garoto e acaba chantageando-o para ficar no local também, já que não tem onde pernoitar na cidade. A personagem nos é apresentada de forma bem diferente de Lorenzo, usando roupas extravagantes e falando no celular sobre algum desencontro, já marcando o próximo encontro. Eis o contraponto do adolescente, uma pessoa mais experiente, sobretudo mais social, com a qual ele se vê obrigado a conviver.
Lorenzo e Olivia representam dois extremos da vida de jovens tipicamente urbanos (que nunca viram cavalos, como confessam um ao outro). Olivia é super-social, sai bastante e pode inclusive sofrer pressão dos amigos, uma explicação plausível para o fato de ela usar drogas. O irmão é o antissocial, renegando o contato com outras pessoas da sua idade em favor dos bichos de estimação, da internet, dos livros, da música, etc. Em alguns momentos é sugerido o desenvolvimento físico do menino, através de falas como “você cresceu” ou “já tem até bigode”, mas intelectualmente ele não passa de uma criança, vide a ingênua sugestão incestuosa em uma conversa com a mãe ou a excessiva curiosidade na visita a um pet shop. A menina, apesar do discurso de que o irmão deve se abrir mais e não ter medo do mundo, adota uma postura claramente escapista ao demonstrar o interesse de se mudar para o campo com um rapaz, pois já não consegue lidar com sua própria realidade.
O que irrita é a constante reafirmação de tudo, uma aparente insegurança de que o espectador não capte alguma mensagem. Quando vai ao mercado o menino conta o que está comprando, falando um dois três quatro cinco seis sete algumas vezes, e como se não bastasse, ao pagar, tem que confirmar, retumbante, “é sete de cada um”, dirigindo-se a mulher no caixa. É interessante a “inversão” de Olivia, que se revela não apenas uma drogada, como acreditava o protagonista. Mas ao explicar uma de suas mostras de fotografia, chamada “Eu sou uma parede”, ela acaba por didaticamente destrinchar conceitos que perpassam todo o filme, como as questões do ponto de vista e do pré-julgamento. Também é exagerada a rima visual que equipara o garoto a um tatu de estimação. Outros elementos formais são mais notáveis: os poucos travellings em corredores; a cena no jantar com a mãe, que é aparentemente privativo, porém vai revelando-se não tão privado assim; e a arte do porão, cinzento, que com a chegada de Olivia revela um estofado vermelho, destoando do ambiente; dentre outros.
Pois bem, Lorenzo passou por uma situação transformadora. Ele provavelmente nunca tenha convivido assim tão próximo de alguém, nunca tenha observado outra pessoa tão de perto (quer hipérbole mais clara do que ele analisando a meia-irmã com uma lupa?). O filme é quase um grito de socorro, um apelo para que as pessoas não se afastem cada vez mais. A experiência adquirida nesse inusitado laboratório não significa amadurecimento. Desperta a vontade de conhecer outras pessoas, a consciência de que ele, Lorenzo, não é o centro do universo. Eu e Você é sobre o relacionamento com os semelhantes, ainda que não tão parecidos assim.
Ano: 2013
Diretor: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Umberto Contarello, Francesca Marciano, Niccolò Ammaniti e Bernardo Bertolucci.
Elenco Principal: Jacopo Olmo Antinori, Tea Falco, Sonia Bergamasco, Veronica Lazar, Tommaso Ragno, Pippo Delbono.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: Itália.
Veja o trailer:
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