Por Luciana Ramos
Em meio a flores e um bilhete de boa sorte, o ator se maquia em frente ao espelho. Então, caminha pelas coxias e entra em um palco que contém apenas uma cama ao centro e diz: “A primeira lembrança que tenho da minha mãe foi quando eu tinha quatro ou cinco anos. Elas nos chamava, meus dois irmãos e eu, para o jantar dizendo: Meninos e Guillaume, está na mesa!”. Um corte nos leva à cena em questão, onde somos apresentados à sua família; em destaque, à sua curiosa ”maman”, como a chama, que faz questão de destilar o seu mau humor ácido em qualquer situação.
Guillaume Galliene, conhecido comediante francês, resolveu superar todas as questões mal resolvidas da infância e adolescência, quando era tratado pela família como uma garota, no palco. Montou uma peça teatral onde relatou suas vivências e a enorme influência da figura materna na sua vida. Mais tarde, adaptou o espetáculo para as telonas. O longa, que já ganhou cinco prêmios César e participou do Festival Varilux de Cinema Francês, pode ser agora apreciado em salas de cinemas por todo o país.
O ator reconta como, por não ter nenhuma preferência em comum com seus irmãos, era tratado por sua “maman” como “querida”. Ela parecia ter certeza do fato de que ele era gay desde cedo e encorajava sua afirmação como tal. Ele decidiu então imitar os trejeitos da sua pessoa favorita no mundo, para o desespero do seu pai burguês.
Em determinado momento, descobre que o jeito da sua mãe é encantador por ser feminino e decide resolutamente a incorporar os movimentos gestuais de todas as mulheres. Mais tarde, vai estudar em escolas internas e descobre as dores do primeiro amor e os conflitos decorrentes da adolescência.
Algumas passagens, como quando é pego pelo pai machista brincando de Sissi, a imperatriz ou decide se assumir homossexual em grande estilo, num spa luxuoso, são engraçadíssimas. Outras, que mostram o sofrimento do preconceito e as crises e eventuais epifanias do autodescobrimento, concedendo densidade à comédia.
O primeiro acerto de Eu, mamãe e os meninos (cujo título em português nem de longe traduz a intenção do autor) foi contrapor cenas do monólogo com a encenação de tais experiências, concluídas pela narração em off. Foi uma escolha ousada e pode parecer estranha de início mas impediu que o longa caisse na mesmice. Pelo contrário, os diálogos afinadíssimos e o ritmo o tornaram dinâmico e envolvente.
Outro trunfo foi, sem dúvida, o fato de ele ter atuado como si mesmo, independente da sua idade na história, e como sua mãe. O tom de comédia escrachada não só permite tais liberdades como acentua o humor. Ademais, o fato de ele encarnar à pessoa que tenta imitar faz todo sentido. O jeito introvertido e delicado do protagonista, contraposto à personalidade forte e não muito simpática (mas sempre chique) da “maman” demonstra a flexibilidade e talento extraordinário de Galliene.
O filme autoral de Galliene é tão bom que deve ser assistido várias vezes. Longe de ser previsível devido a sua reviravolta final, comprova os múltiplos talentos do roteirista, diretor e ator. Leve sem ser medíocre, emociona por revelar-se como uma homenagem às mulheres, em especial àquela que ele mais almejou ser um dia.
Eu, Mamãe e os Meninos (Les garçons et Guillaume, à table!)
Ano: 2013
Diretor: Guillaume Galliene
Roteiro: Guillaume Galliene, Claude Mathiel, Nicolas Vassiliev
Elenco Principal: Guillaume Galliene, André Marcon, Françoise Fabian
Gênero: comédia
Nacionalidade: França
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