Por Verônica Petrelli

As notícias sobre os refugiados de países da África e do Oriente Médio chocam o mundo todo e nos fazem refletir sobre os despropósitos do abuso de poder e das guerras civis dessas nações. Cerca de 15 mil refugiados morreram afogados na tentativa de chegar aos países europeus por mar. E a intenção de Fogo no Mar (Fuocoammare) é justamente mostrar esse cenário, focando-se na ilha de Lampedusa, na costa sul da Itália, que se tornou linha de frente na crise de imigração ilegal da Europa.

O documentário do diretor Gianfranco Rosi, que conquistou a estatueta no Festival de Cinema de Berlim, traz dois recortes distintos em sua linha narrativa: mostra a vida dos moradores da ilha de Lampedusa através dos olhos do menino Samuele, filho de pescadores, e também retrata o sofrimento e as operações de resgate dos imigrantes ilegais que chegam à ilha. Estes viajam em condições sub-humanas nos navios improvisados, e quando não morrem desidratados ou por desnutrição, acabam passando pela triste experiência de naufrágio.

O filme possui três pontos altos que acabam chocando o espectador. O primeiro deles é o depoimento em inglês de um nigeriano contando sobre todos os sofrimentos pelos quais seu grupo passou: os bombardeios na Nigéria, a fuga para o deserto do Saara (onde a sede fez com que eles bebessem sua própria urina para sobreviver), a escapada para a Líbia, onde foram presos, e por fim a chegada em Lampedusa. O segundo momento chocante está focado nas histórias de um médico que vivenciou os resgates e ajudou a cuidar dos refugiados. E o terceiro ponto alto é quando as lentes de Gianfranco Rosi capturam todos os detalhes de um resgate de imigrantes que chegam à Itália amontoados em uma embarcação improvisada.

Por mais que o documentário traga à tona um tema tão latente, a história principal acaba se perdendo em meio ao cotidiano dos moradores da ilha. O diretor dá muito mais destaque à vida do garoto Samuele e suas tentativas de montar um estilingue, e assim deixa as histórias dos refugiados em um segundo plano. Os takes de Samuele são arrastados e enfadonhos e não possuem importância social ou política. Raramente os africanos recebem o destaque que o garoto recebeu durante todo o documentário, o que causa muita frustração. O resgate mais impactante de refugiados acontece somente ao final, após 1h30 de filme.

Além disso, por mais que a fotografia do filme seja surpreendente, houve uma clara escolha de Gianfranco Rosi em destacar os moradores de Lampedusa e de ‘esconder’ os imigrantes. Os takes dos habitantes da ilha são sempre claros e coloridos, enquanto o retrato dos refugiados é sempre escuro e indefinido (vide a cena da africana grávida de gêmeos passando por consulta médica). Dando a sensação que os refugiados são sempre retratados como uma massa indistinta, não possuem individualidade.

Por fim, ficou faltando um debate político na obra de Rosi. Percebe-se que ele teve a preocupação apenas de filmar os acontecimentos nus e crus, sem trazer visões de especialistas que pudessem se aprofundar nos desdobramentos políticos e sociais da imigração ilegal à Europa. A impressão que fica é de um documentário bem raso que deixa de abordar questões extremamente importantes para o mundo contemporâneo.

Fogo no Mar - pôster

Fogo no Mar (Fuocoammare)

Ano: 2016

Direção: Gianfranco Rosi

Roteiro: Gianfranco Rosi, Carla Cattani.

Gênero: Documentário

Nacionalidade: Itália

 

 

 

 

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