Por Frederico Cabala
Mil Vezes Boa Noite é uma narrativa sobre as diversas manifestações de conflitos, tanto os externos quanto os interiores. Com direção e roteiro do norueguês Erik Poppe, que debuta aqui com produção em língua inglesa, o filme é primoroso ao levantar um tema tão atual e íntimo a tantos, o dilema entre trabalho e família, lembrando o quanto uma pessoa pode ser genial profissionalmente ao mesmo tempo em que fracassa em suas relações afetivas próximas.
Rebecca (Juliette Binoche) é uma das mais respeitadas fotógrafas de guerra do mundo e do Afeganistão registra aquilo que para nós é uma estranha cerimônia. Sob um sol de deserto, muçulmanas entoam cantos sacros diante de alguém imóvel no fundo de um buraco. Logo mais sabemos que se trata do ritual de preparo de uma mulher-bomba. Rebecca vê tudo através das lentes: testemunha quando os explosivos são amarrados ao corpo da suicida; vê as bênçãos das demais; acompanha o momento em que todas partem para o destino derradeiro; e está presente na explosão devastadora. Mesmo ferida, a fotojornalista continua a clicar até que desmaia.
Mas, além de se ferir, acaba por machucar também o marido Marcus (Nicolaj Coster-Waldau – conhecido pelo papel de Jaime Lannister em Game of Thrones) e as filhas Lisa (Adrianna Cramer Curtis) e Steph (Lauryn Canny), moradores da Irlanda. Nesse ponto, todos já estão cansados da ausência da fotógrafa e de viverem sob constante risco de perder a mulher e mãe visto o perigo de sua profissão. Está dado o dilema família x trabalho.
Observadora sagaz do mundo ao redor, a protagonista passa então a ter que olhar para si mesma e tentar resolver o conflito que a atinge mais profundamente, a recuperação da vida familiar. Marcus, seu marido, é irredutível na condição imposta de que ela deve se afastar da proeminente carreira de fotógrafa de zona de conflito se quiser sobreviver ao casamento. O que não ajuda. Ao ter de optar entre o amor da família e a própria paixão pelo ofício, Rebecca se sente afogada e às tantas confessa que “Há coisas que não se pode desistir quando você descobre quem você é”.
Sem ser extraordinário (com exceção da fotografia de John Christian Rosenlund que é, sim, extraordinária), Mil Vezes Boa Noite tem a capacidade de transitar com sutileza entre os universos quase excludentes da personagem principal, embora o filme mais de uma vez perca o timing. Há desequilíbrio entre ricos momentos empolgantes e outros arrastados que tendem a um melodrama artificial. O maior acerto de Erik Poppe parece ser mesmo a escolha de Juliette Binoche. A atriz, que há pouco tempo reconheceu estar numa época da carreira em que pode escolher com cuidado os papéis, disse que só o faz a partir do critério “histórias que precisam ser contadas”. O filme aqui analisado se inclui nisso.
Mil Vezes Boa Noite (Tusen Ganger God Natt)
Ano: 2013
Diretor: Erik Poppe
Roteiro: Erik Poppe. Harald Rosenløw-Eeg e Kirsten Sheridan.
Elenco principal: Juliette Binoche, Nicolaj Coster-Waldau, Lauryn Caany e Adrianna Cramer Curtis.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: Noruega, Suécia, Irlanda.
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