Por Felipe Mendes

A obra visceral Paradise Now, aclamada com o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e indicada ao Oscar na mesma categoria em 2006, apresentou o cineasta Hany Abu-Assad e colocou a Palestina na rota da sétima arte mundial. A abordagem humanista acerca da história de dois amigos em meio aos conflitos entre israelenses e palestinos obteve amplo destaque por parte da crítica na época. Desde então, cada novo título é aguardado com bastante afago pelos fãs do diretor. Omar, ovacionado em Cannes e nomeado ao Oscar em 2014, elevou ainda mais o prestígio do cineasta. Com O Ídolo, Abu-Assad tentará repetir o sucesso dos títulos anteriores e chegar a sua terceira indicação ao prêmio mais cobiçado do cinema.

Desta vez, o diretor palestino abandona as tensões políticas e aborda uma história real e incomum na cidade de Gaza. O Ídolo acompanha a trajetória de Mohammed Assaf, vencedor do festival de talentos “Arab Idol”, em 2013. Mesclando fatos reais e fictícios desde a infância do cantor, o filme começa com uma perseguição avassaladora pelas ruas da metrópole devastada por guerras constantes. A passagem com planos ousados e ritmo alucinante, como visto na cena de abertura, é uma das marcas da obra de Abu-Assad. Após a ambientação turbulenta, O Ídolo adentra o universo infantil de Assaf, interpretado em um primeiro instante por Qais Attalah, e seus amigos inseparáveis: Ahmad, Omar e a irmã Nour.

Com uma voz sublime, Assaf é capaz de conquistar desde os companheiros de escola aos religiosos presentes nos cultos na mesquita. A partir do reconhecimento do talento do garoto, o grupo de amigos decide formar uma banda para tocar em casamentos e arrecadar alguns trocados. Nesta primeira etapa do filme, Nour (Hiba Attallah) é a grande incentivadora do irmão, despertando o desejo de conquistar o mundo e mudar a realidade em que eles vivem através de seu dom para música. A personagem, inclusive, é um dos grandes acertos de Abu-Assad no longa. Questionadora, Nour refuta a ideia do casamento arranjado e demais costumes previamente impostos a mulher islâmica.

A banal jornada do herói – característica repetida exaustivamente pelo cinema hollywoodiano – é executada de forma sistemática pelo diretor, tornando o desenrolar de O Ídolo piegas e previsível. Por mais que a produção não questione a situação opressora de refugiados em Gaza – como faz mais abertamente o premiado Quem Quer Ser Um Milionário?, denunciando o trabalho escravo, a miséria e a corrupção na Índia –, talvez o olhar amenizado tenha seus motivos políticos. Para a realização do longa, o cineasta teve de negociar com autoridades israelenses e palestinas, além do grupo extremista Hamas. Apesar das dificuldades no início do projeto, Abu-Assad declarou em algumas entrevistas que O Ídolo renovou a confiança dele em trabalhar com cinema.

A história toma um rumo demasiadamente dramático quando Nour é internada às pressas com insuficiência renal. O ocorrido abala a família e o grupo de amigos. Omar (Abdalkarim Abu Baraka), por exemplo, desiste de tocar na banda alegando que a música é uma “ferramenta do diabo”; associação típica no islã. Após esse período apreensivo na vida do menino sonhador, o longa salta alguns anos e encontra um Assaf adulto, interpretado nesta fase por Tawfeek Barhom, e trabalhando como taxista em Gaza. Com o apoio do professor Kamal (Amer Hlehel), que funciona como mentor na jornada, e da amiga Amal (Dima Awawdeh), ele decide viajar ao Egito para participar das audições para o programa televisivo “Arab Idol”. Contudo, para conseguir cumprir seu destino, Assaf ainda tem de resolver problemas pendentes em seu passado.

O novo trabalho de Abu-Assad é uma bela obra agridoce em meio ao caos turbulento da Palestina. O cineasta admite que sua principal função no momento é promover alguma esperança aos habitantes do país por meio da arte. Provavelmente, essa crescente ditará as próximas obras do diretor, deixando o cinema de denúncia na região a cargo de Elia Suleiman (O Que Resta do Tempo). Em suma, apesar de previsível, O Ídolo é uma produção importante sobre um momento raro em que a população local deixou as desavenças políticas e religiosas de lado e unificou-se para celebrar a vitória de Mohammed Assaf à frente das telonas espalhadas pelas alamedas do país.

Crítica publicada como parte da cobertura da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

O Ídolo (Ya Tayr El Tayer)

Ano: 2015

Direção: Hany Abu-Assad

Roteiro: Hany Abu-Assad

Elenco Principal: Tawfeek Barhom, Qais Attalah, Hiba Attalah

Gênero: Biografia, Drama, Comédia

Nacionalidade: Reino Unido, Palestina, Catar, Holanda, Emirados Árabes Unidos

 

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