Por Jenílson Rodrigues
A experiência de acompanhar uma série de acontecimentos com suaves melodias de quartetos de cordas ao fundo pode acabar atenuando o impacto do conteúdo apresentado na tela sobre o espectador. Em O Lagosta até um momento tenso envolvendo a expectativa de um conflito entre personagens ganha um tom poético, mesmo com a carga de ironia, cinismo e sarcasmo presente nas diversas metáforas espalhadas por toda a trama.
O hotel que promete a felicidade a dois – a única possível na visão dos gerentes – funciona de certa forma como um espaço de ajuda a viciados em fracassos sentimentais. O que muda para um grupo de ajuda é o regime de enclausuramento, com regras tiranas repletas de machismo e moralismo, o que em alguns momentos se parece com o confinamento repressivo de 1984, de George Orwell.
A promessa de um lugar no paraíso da Terra a dois não vem de graça. A coleção de clichês da humanidade e sua dificuldade de se relacionar estão explícitas no filme, desde a resistência em lidar com a complexidade do outro até a perigosa utilização de máscaras para se adiantar na conquista.
Os que decidem respeitar as regras e buscar a felicidade em casal vendida pelo hotel têm a oportunidade de se aventurar por alguns momentos no mundo selvagem dos solteiros. As caçadas em muito se assemelham às noitadas onde o número de “vítimas” abatidas dá ao sujeito uma sobrevida. Ele continua sozinho, mas a vantagem numérica de rápidas conquistas garante seu status temporário de solteiro bem sucedido. Mais uma ilusão para prolongar a inevitável chegada do fracasso.
Apesar dos solteiros viverem à parte, num ambiente selvagem, suas roupas totalmente antiquadas para a selva parecem representar o conservadorismo embutido em cada um que se julga livre das convenções sociais.
Dos corredores que remetem aos clássicos de Stanley Kubrick à movimentação rápida e desengonçada de personagens em espaços milimetricamente enquadrados, como nos filmes de Wes Anderson, a trama se desenrola num tom que consegue manter os olhos e a mente do espectador vidrados durante todo o tempo.
A caçada ao som da canção Apo Mesa Pethamenos é uma sequência detalhista que mistura poesia, frieza, violência e crueldade. Tudo junto num instante único e praticamente inesquecível. Em outra passagem, ainda dá tempo de no meio de tanta informação conferir Colin Farrel mandando uma desafinada “Where The Wild Roses Grow”, música de Nick Cave & The Bad Seeds em parceria com Kilye Minogue, presente na trilha original do filme.
O diretor Yogos Lanthimos transpõe para a tela uma história que explora o âmago do ser humano quando confrontado com si mesmo e sua incapacidade de lidar com simples emoções. A tentação por caminhos mais curtos e soluções mais fáceis frente à realização de seus maiores desejos.
A impressão é que só diante do embate com os maiores clichês da vida amorosa é possível enxergar que a complexidade que permeia os relacionamentos em grande parte pode ser uma construção inconsciente. Como o resultado da fuga constante do passo a passo, que constrói a simplicidade.
Em meio a tantas restrições, repressão e desilusões, o amor ainda insiste em se fazer presente. Ele não respeita regras pré-estabelecidas, somente aquelas criadas pelos próprios amantes. Contrariando a máxima de que o amor é cego, na verdade existem forças negativas que deturpam temporariamente a visão dos amantes, pois só eles parecem enxergar o que os une. Quando não podem mais, ele provavelmente já deixou de existir.
Ano: 2015
Diretor: Yogos Lanthimos
Roteiro: Efthymis Fillipou, Yogos Lanthimos
Elenco Principal: Colin Farrel, John C. Reilly, Léa Seydoux, Rachel Weisz
Gênero: Comédia/ Ficção Científica/ Romance
Nacionalidade: Grécia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte
Assista ao trailer: