Por Wallacy Silva

Ciência versus Igreja Católica. Essa é a antítese de País do Desejo. O trabalho não propõe uma batalha, mas alimenta a possibilidade de que as duas coisas possam coexistir com um mínimo de harmonia. Acaba sobrando pra instituição religiosa, pois são levantados temas nos quais o Vaticano teria que ceder.

A coexistência já acontece na casa do protagonista, o Padre José (Fábio Assunção), pois sua mãe é religiosa (e está em estado terminal) enquanto seu pai é ateu, e seu irmão, César (Gabriel Braga Nunes), é médico. Talvez por influência da própria família o padre defende alguns ideais que vão contra aos do catolicismo: faz campanha para o uso da camisinha e defende o aborto de uma menina que foi estuprada pelo tio. Depois que acontece o aborto, todos os envolvidos são excomungados pelo arcebispo da região (Nicolau Breiner), o que aumenta o atrito entre o padre e seu superior. Paralelamente acompanhamos a história da pianista Roberta (Maria Padilha), que faz hemodiálise há 10 anos e é uma pessoa amarga e sem esperanças. Roberta e José se encontram pelo acaso e suas vidas mudam radicalmente.

As principais falhas estão no roteiro: grande parte dos personagens é pouco trabalhada, e eles se tornam meros acessórios para a evolução dos protagonistas; já a súbita paioxonite do padre não convence. A caracterização da enfermeira nipônica (Juliana Kametani) é exagerada e a atuação dela, assim como a da assistente da pianista (Fernanda Vianna), soa superficial. Por outro lado, o diretor insere elementos e cenas eficientes na tarefa de aproximar ciência e religião: a enfermeira fala constantemente do horóscopo do tipo sanguíneo (popular no Japão), traçando o perfil de todos que estão ao seu redor, numa relação entre medicina e crença; a cena da fabricação das hóstias aproxima “divino” e “terreno”; e a cena posterior envolvendo hóstias, muito mais corajosa, nas quais elas aparecem em um ambiente ainda menos elevado, diria cotidiano e até mesmo baixo. Fica a mensagem de que a simbologia não pode se sobrepor à realidade, afinal a hóstia é apenas um composto de trigo!

Paulo Caldas em nenhum momento desrespeita a fé católica, não questiona a existência de Deus ou de qualquer santo, nem a credibilidade da instituição. Mas ressalta a dificuldade de permanecer vinculado ao catolicismo sendo que ele impõe valores conservadores em demasia como o não uso da camisinha e a completa reprovação ao aborto (mesmo em caso de estupros ou que coloquem em risco a vida da gestante). A questão do celibato é tratada com cuidado, não vinculada à necessidade sexual. Padre José nega a tentação carnal (representada pela enfermeira, extremamente sexualizada) em detrimento de um relacionamento afetivo de fato. Mas o diretor não deixa de cutucar os fieis através da mãe da menina que foi estuprada, que parece se preocupar mais com a alma da filha, perguntando ao padre se ela vai pro inferno, do que com a saúde dela.

País do Desejo é também uma antítese – transmite uma crítica bem executada através de uma trama não tão bem executada assim. A frase mote da campanha publicitária do filme é uma citação do protagonista, que diz que “o problema não está no amor, e sim na falta dele”. Negar um aborto a uma criança violentada seria uma prova de amor à religião? Ou a falta dele?

 

Cinemascope---País-do-Desejo-PosterPaís do desejo 

Ano: 2011

Diretor: Paulo Caldas.

Roteiro: Paulo Caldas, Pedro Severien e Amin Stepple.

Elenco Principal:  Maria Padilha, Fábio Assunção, Gabriel Braga Nunes.

Gênero: Drama.

Nacionalidade: Brasil.

 

 

 

Veja o trailer:

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