Por Frederico Cabala
Ponto Zero é a prova de que a produção cinematográfica no Brasil é de uma diversidade que escapa às definições de cinema nacional como um corpo único. Introspectivo, existencial e melancólico, o filme que marca a estreia de José Pedro Goulart em direção de longas-metragens aposta em uma narrativa na qual a sensorialidade prevalece sobre os efeitos de real.
A trama tem como ponto central o personagem Ênio (Sandro Aliprandini), adolescente de 14 anos comprimido entre dois pesos opressores ─ seus candentes conflitos psicológicos de amadurecimento e os problemas no casamento dos pais. Pela ótica de Ênio, vemos uma relação familiar desestruturada que despenca sobre ele. Seu pai (Eucir de Souza) é ausente, enfurna-se no trabalho e em flertes extraconjugais. Sua mãe (Patrícia Selonk) é solitária e compensa na relação com o filho o abandono do marido, fazendo com que Ênio seja espião do pai e ocupe o espaço da figura paterna quando esta se ausenta. Fora de casa também não há consolo para o personagem principal. Sem amigos e com uma vida escolar insossa, o estudante não interage com ninguém.
Resta a si mesmo. E é no universo particular de uma juventude em forma, de descobertas sexuais e dos limites do próprio corpo que Ênio se atira para escapar da gravidade familiar. Ao não mais suportar reter tanta carga, o filme dá um nó e enviesa por outro ato quando o personagem se rompe e rouba a picape do pai em meio a uma noite chuvosa. A partir desse ponto, talvez o sugestivo zero dado pelo título, o personagem se solta da claustrofóbica convivência familiar e tem uma madrugada intensa de descobertas, encontros inusitados e traumas que representam seu rito de passagem em uma atmosfera que fica difícil desembaralhar verdade e delírio.
Na tentativa de captar o mundo psicológico em ebulição de Ênio, a direção de José Pedro se pauta pela experimentação estética. Assim, em diversos momentos o filme foge do compromisso com as leis da realidade exterior. Há, por exemplo, sobreposições de cenas e de camadas temporais quando o personagem é revisitado por traumas de infância. Na Porto Alegre em que o introspectivo Ênio habita, os carros correm pra trás. O que, no plano estético, rende cenas memoráveis ao filme,.
No aspecto do enredo, entretanto, tal opção pela montagem plástica não esconde pontos negativos do roteiro. Há principalmente dois problemas. Primeiro, a apatia do personagem principal. O filme entrega de prontidão um adolescente que mal pronuncia palavras com os pais. Não há afeto, não há sorrisos, há apenas distância e frieza. Não são demonstradas quais as causas que explicariam esse comportamento de negação absoluta, o que dificulta sentimentos de empatia e identificação com Ênio. Outra questão a se considerar, e que se relaciona com a primeira, é a inconsistência entre os dois atos do filme. Na primeira metade, temos um garoto extremamente contido, enquanto na segunda parte ele vai imediatamente ao outro radical e passa a ser intenso e emotivo. É de se esperar transformações, mas em Ponto Zero não há uma ponte que sustente bem o desenrolar desses fatos.
Apesar destes descompassos, o longa se destaca na conjunção entre imagens e trilha sonora que simbolizam a tensão interior de Ênio, assim como são fortes as atuações de Sandro Aliprandini e Patrícia Selonk. Principalmente, Ponto Zero representa uma ambição legítima que demonstra o quanto se pode abarcar quando se fala em cinema nacional.
Ponto Zero
Ano: 2015
Direção: José Pedro Goulart
Roteiro: José Pedro Goulart
Elenco Principal: Sandro Aliprandini, Patrícia Selonk, Eucir de Souza.
Gênero: Drama
Nacionalidade: Brasil
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