Por Livia Fioretti
Escolha a vida. Escolha um emprego. Escolha uma carreira. Escolha uma família. Escolha uma merda de uma televisão grande, escolha máquinas de lavar, carros, CD players e abridores de lata elétricos. Escolha boa saúde, colesterol baixo, e plano dentário. Escolha prestações fixas para pagar. Escolha uma casa para morar. Escolha seus amigos. Escolha roupas de lazer e uma bagagem que combine. Escolha um terno feito do melhor tecido. Escolha se masturbar e pensar quem diabos você é em uma manhã de domingo. Escolha sentar no sofá assistindo programas que nada te acrescentam, game shows, estufar-se comendo um monte de porcarias. Escolha apodrecer no fim de tudo, numa casa miserável, envergonhando os pirralhos egoístas que você gerou para te substituírem. Escolha seu futuro. Escolha sua vida. Mas por que eu iria querer me preocupar em fazer coisas como essas? Eu escolhi não escolher uma vida: eu escolhi outra coisa. E a razão? Não há razões. Quem precisa de motivos quando se tem heroína?
Eu sei que você não precisou ler até o final do texto para saber do que estamos falando.
Muito mais que apenas representar a juventude escocesa na década de 1990, entre “shots” de liberdade e heroína, Trainspotting marcou era. O cult não somente definiu a lógica de uma geração, mas também o fracasso das ideologias, dos paradigmas sociais e do sonho americano que considerávamos ideais. A aventuras dos junkies e suas crenças sobre o estilo de vida trouxeram à luz um posicionamento de vida contra o que era vendido pela propaganda, pelo capitalismo e pela “Sessão da Tarde”. Agora, considerando as reviravoltas de 2016/2017 e o impacto da digitalização em absolutamente tudo, não dá para negar que a renovação de tais ideias vem a calhar.
T2 Trainspotting tem como objetivo principal o mesmo de uma reunião de formandos: reunir velhos amigos que não se viam há décadas. 20 anos depois de deixar Edimburgo (e a heroína), Mark Renton (Ewan McGregor) retorna com o objetivo de reparar o que fez à Spud (Ewen Bremner) e Sick Boy (Jonny Lee Miller). O conflito se dá não apenas pela dívida do final do primeiro filme, mas também porque o reencontro acontece no momento em que Franco (Robert Carlyle) sai da prisão com sede de vingança. Assim como o primeiro, T2 também é livremente adaptado na obra de Irvine Welsh (dessa vez, em “Porno”) e dirigido por Danny Boyle – o que o confere um olhar não muito envelhecido do original.
Prepare-se para sentar na cadeira e descobrir como as personagens lidaram com suas ideologias, decepções e impacto de drogas com o passar do tempo – afinal, quem diria que a gangue viveria mais 20 anos? Sem dúvida, ver a evolução das personagens, o que construíram e quem se tornaram é o ponto mais alto do filme, já que completa de forma perfeita quem eram. Além do mais, o retrato da sociedade atual – iludida e fraccionada – construído é super pertinente e mostra como a ditadura não mudou, mas os meios pelos quais ela se contrói, sim. Prepare-se para uma atualização das frustrações e das doenças sociais, e claro, do maravilhoso discurso “Escolha a vida” (tão cruel e verdadeiro que faz Begbie parecer uma criancinha).
Mesmo com fortes personagens, novos e antigos, a protagonista do filme é a nostalgia. É impossível aproveitar a experiência sem ter visto (recentemente) o primeiro – o abuso de flashbacks bem executados e a câmera eletrizante de Boyle não deixam o espectador decepcionado… Por outro lado, o humor negro e ácido escocês foi claramente substituído por um roteiro hollywoodiano, domado por clichês e frases estrategicamente posicionadas. É um jogo extenso e consideravelmente previsível, mas que também conta com cenas visualmente alucinantes (não poderia escolher uma palavra melhor), uma trilha sonora considerável e uma carga emocional bem conduzida pelo elenco. Por outro lado, não há nada da vitalidade estética da montagem original; a drástica mudança de estilos a cada corte nos deixa com a impressão de que Boyle dirigiu o filme usando um controle remoto.
Sem dúvida, é um filme divertido, mas desnecessário. Tranquilizante para os espectadores otimistas e melancólico para os nostálgicos. Como disse, é como aquela reunião de formados do colégio: prepare-se para dar uma risada com colegas carecas e barrigudos… mas que você não precisará ver novamente pelos próximos anos.
T2: Trainspotting
Ano: 2017
Direção: Danny Boyle
Roteiro: John Hodge
Elenco principal: Ewan McGregor, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller
Gênero: Drama, Comedia
Nacionalidade: Reino Unido
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