Por Dario PR.
“Eu posso esmagar uma borboleta e torturá-la até a morte e isso não é ilegal. Mas se essa borboleta pertence a uma coleção de valor inestimável, eu posso ser preso. Não é o ato que é julgado. Todos os dias alguém esmaga uma borboleta e a lei não pode fazer nada sobre isso”.
Imerso no jogo, Bermúdez sai em busca das provas para indiciar Gonzalo. Confirmando – ou negando – o monstro da suspeita que o domina. É sobre a hipótese dessa (in)certeza que é construída a narrativa. Na “Estrutura da Justiça” nem tudo que aparenta é. Provas e evidências – por mais científicas que pareçam – podem ser meros simulacros criados na mente obcecada do professor, que bebe um uísque atrás do outro. Mas por outro lado, Gonzalo tem toda a pinta de serial killer e parece estar sempre um passo a frente das investigações do mestre. E o espectador começa a nutrir a dúvida sobre qual dos dois personagens tem a mente mais insana.
Só que o professor e é o fio condutor solitário da narrativa. Tudo é contado sob seu ponto de vista. Somos totalmente envolvidos por suas teses, até o momento em que começamos a desconfiar de seu equilíbrio mental. O fio da suspeita que domina o personagem extravasa para o espectador. E a sensação de perder a confiança no protagonista em certos momentos nos leva a desconfiar do roteiro do filme.
Inegavelmente a presença de Ricardo Darín é o trunfo comercial do filme e já justifica uma ida ao cinema. O ator é mestre em dar densidade a seus personagens. Seu Bermúdez é repleto de nuances, vícios, violência contida, olheiras e rugas de expressão, silêncios que falam… Só um grande ator para dar credibilidade a um personagem tão contraditório, que mistura erudição acadêmica a fragilidade emocional.
O suspense policial tem roteiro de Patricio Vega baseado no romance do portenho Diego Paszkowski. No livro o personagem que conduz a narrativa é o Gonzalo. O roteiro, muito bem articulado no racional, constrói um emaranhado de pistas (falsas) que prende a atenção, mas explora pouco as ligações afetivas entre os protagonistas, tornando a vivência do filme mais mental que emocional.
Impossível não lembrar de Festim diabólico (1948) do mestre Hitchcock, porém o cerne proposto aqui já não é a possibilidade do crime perfeito, é algo mais intrigante: a inutilidade da Justiça, onde as leis não funcionam para defender todas as vítimas, mas as que tenham importância num contexto de poder. O filme faz refletir sobre essa questão, nos leva a investigá-la em nós mesmos.
A direção é de um cineasta pouco conhecido por aqui, Hernán Goldfried. É seu segundo longa, o primeiro – Música em Espera – ainda não chegou ao Brasil. Apesar da pouca experiência o diretor mostra que sabe usar os clichês do gênero e driblá-los, tem movimentação de câmera criativa e faz do filme uma experiência agradavelmente desafiadora.
Buenos Aires está sutilmente onipresente na tela, como cenário convincente a um roteiro onde a violência e a solidão da metrópole determinam a veracidade da trama. A produção caprichada – mesma do oscarizado O segredo dos seus olhos – bem como fotografia, trilha sonora e edição são de muito bom gosto e contribuem para manter o suspense psicológico. Algum pecado, caso haja, talvez esteja na montagem, com prejuízo do ritmo em alguns momentos.
O polêmico final, que deixa a conclusão na mão do espectador, divide a opinião do público sobre o filme, gerando um prolífico debate que só enriquece o alcance de qualquer obra cinematográfica.
Com Tese sobre um homicídio, o cinema argentino comprova sua hegemonia, mostra que sabe fazer filme de gênero, e diz mais uma vez por que é atualmente o melhor cinema da América Latina.
Tese sobre um homicídio (Tesis sobre um homicídio)
Ano: 2013.
Diretor: Hernán Goldfrid.
Roteiro:
Elenco Principal: Ricardo Darín, Alberto Ammann, Calu Rivero.
Gênero: Drama.
Nacionalidade: Argentina.
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