Por Aline Fernanda
O roteiro de Sam Hamm para Batman propunha um clima escuro e sombrio. Neste Batman, a Warner anunciou que investiu US$ 32 milhões para conseguir o clima noir proposto pelo roteirista. O Homem-Morcego teve seu filme deixado de lado durante muito tempo no esquema vai ou não vai – a ideia era comemorar os 50 anos do herói. Em 1984, Tom Mankiewicz, roteirista de 007 e Superman, elaborou um roteiro baseado nas tramas do final dos anos 1970, de Steve Englehart e Marshall Rogers, na Detective Comics. O projeto teve alguns diretores interessados, nomes como Joe Dante (Gremlins) e Ivan Reitman (Os Caça-Fantasmas), mas o longa ficou engavetado por mais alguns anos.
Sam Hamm tinha acabado de assinar um contrato de dois anos com a Warner, casa do Batman, depois de ganhar o Prêmio Pulitzer com seu roteiro cômico. Em seu roteiro ele tenta criar uma abordagem diferente para o Batman do que tinha sido feito até então, na qual o herói enfrenta dois vilões antes dos créditos iniciais.
“Superman criou o modelo de como fazer filme de super-heróis com uma cena de abertura espetacular mostrando a origem do personagem. Percebi que Batman era um personagem diferente, que deveria ser tratado de forma diferente, pois, apesar de ser exagerado, grandioso e operístico, ele lida com as coisas normais e bem próximas do provável. (…) Pensei que a melhor opção seria mostrar o Batman como um fato consumado, e então ir voltando, tratando-o como um personagem misterioso, de forma que o espectador não saiba quais os objetivos ou as motivações que levam o herói a fazer o que faz. Assim, desvendar esse mistério se torna parte da história”, afirmou em entrevista na época.
Uma grande polêmica veio junto com o filme, primeiramente porque o roteiro “vazou”: quem comprasse quatro edições do Detective Comics ganhava de brinde o roteiro, o que gerou um grande falatório entre os fãs, todos tinham opinião para dar. Maior do que a polêmica do roteiro foi quando anunciaram que seria Michael Keaton quem daria vida ao herói, essa “pequena” informação abalou a legião de fãs, que chegaram a fazer uma petição em todas as lojas de quadrinhos exigindo que o projeto fosse interrompido. Claro que a escolha de Tim Burton para a direção do longa também não agradou, os fãs do sombrio herói só conheciam o diretor por As grandes Aventuras de Pee-Wee e Keaton por suas comédias frequentes. A escolha da dupla gerou tamanha polêmica porque os produtores afirmaram que o filme seria sério.
Burton recebeu muitas críticas negativas enquanto fazia sua versão de Batman, que estreou nas telonas com uma bilheteria arrasadora para a Warner. “O primeiro texto que li do filme Batman era bastante similar ao do Superman. Tinha o mesmo tom leve e bem humorado e a estrutura de história seguindo Wayne por sua juventude até a gênese como combatente do crime. Achei aquilo um pouco perturbador, pois esse caminho funciona com o Super-Homem, mas não havia nenhuma exploração ou conhecimento da estrutura psicológica do personagem ou do motivo pelo qual ele veste aquela fantasia de morcego. Nesse aspecto, ele era bem parecido com a série de TV”, comentou o cineasta.
Burton afirmou que por Hamm ser fã dos quadrinhos, ele saberia o que fazer com o roteiro. E depois do sucesso da graphic novel de Frank Miller, O Cavaleiro das Trevas, que eles conseguiram convencer a Warner a investir no aspecto psicológico do personagem. Em 1988 Hamm foi afastado do projeto por uma greve de roteiristas, e para ajudar no roteiro final e dar início às gravações foi chamado Warren Skaaren. Durante esse trabalho Burton reescreveu algumas partes e acrescentou a ideia do Coringa ser o assassino dos pais de Bruce Wayne; esse era um elemento inexistente nos quadrinhos e que já tinha sido rejeitado em outras versões do roteiro.
Tim Burton sabia que, ao assumir Batman, enfrentaria a ira dos fãs de quadrinhos “apaixonados pelos mínimos detalhes”, mas disse que também saber da importância dos fãs da série de TV, um grupo bem maior que dava uma ótima audiência para o seriado. O dilema era: uma situação impossível de ganhar, alguém não ficaria contente, foi ai que o diretor resolver apostar em seus instintos, sem se importar com o que aconteceria.
Mel Gibson, Bill Muray, Charlie Sheen e Pierce Brosnan foram cotados para o papel de Batman. Burton declarou que escolheu Keaton por sua habilidade como ator e comentou ainda: “Não há muito mais a ser dito além do quanto me senti confortável em relação à contribuição de Michael. A reação dos fãs é uma resposta sem profundidade. No momento em que você menciona Keaton, imediatamente a imagem que surge na mente é a de Corretores do amor e Dona de Casa por Acaso, duas comédias românticas. É claro que não é o que eu pensava. Se tivesse medo de reclamações, não teria convidado Michael. Estudei atores que tinham a cara que os fãs gostariam que o Batman tivesse, mas achei que era um modo muito desinteressante de proceder”.
O orçamento do longa em 35 milhões de dólares foi divulgado no Los Angeles Times pelo produtor Jon Peters, que afirmou ainda não ter controlado os gastos do filme e de não ter ideia do valor final.
O longa foi filmado em Pinewood porque Burton queria sair dos EUA por conta do barulho e correria. O cineasta escolheu a dedo seu designer, Anton Furst, com quem queria trabalhar desde Os Fantasmas Se Divertem, a Warner já tinha outro designer nomeado, pois disseram que Furst não poderia trabalhar com Burton, mas o diretor não contente com a resposta foi na casa do designer para convidá-lo pessoalmente.
A afinidade dos dois foi instantânea e o mais importante era que concordavam com o fato de que os efeitos especiais não faziam um filme, o que faz um filme é o impacto e que era preciso retornar ao básico.
O visual de Gotham City foi feita por Burton e Furst e tinha como ideia ir contra o que era Nova York. “Decidimos ir em direção oposta e escurecer tudo, construindo as coisas verticalmente e juntando toda arquitetura. Gotham City é basicamente uma caricatura de Nova York com um misto de estilos amalgamados, uma ilha de prédios de desenho animado grandes e altos, texturizados com designers extremos”.
Como orçamento para o cenário diretor e designer tinham um montante de US$ 5,5 milhões e metade desse orçamento não se pode ver no filme por estar embaixo do cenário. Eles decidiram investir em bases sólidas para que o cenário durasse e suportasse ventos fortes do inverno em Pinewood.
Com esse orçamento foi possível construir apenas uma rua principal. Bob Kane, um dos criadores de Batman, foi contratado como consultor criativo, o que foi esperto da parte da Warner, porque se o criador aprovasse o que estava sendo feito isso seguraria a crítica dos fãs mais fervorosos. E o que aconteceu foi que Kane adorou o trabalho de Furst e Burton.
Kane, quando desenhou o Coringa em 1980 usou como base fotos de Jack Nicholson em O Iluminado, e queria que ele desse vida a esse personagem. Furst considerou a contratação de Nicholson como o ponto de virada da produção: “Conseguir o Jack foi muito importante para o filme. Era incrivelmente óbvio. Não acho que exista outro papel tão perfeito para ele quanto este. Se Jack não aceitasse, Tim e eu concordávamos que não manteríamos o mesmo sentimento pelo filme. Logo que ele disse sim, houve uma enorme motivação apoiando a produção, pois todos sabiam que aquele era um ingrediente que se encaixava. E Jack ficou à altura de todas as expectativas. Quando você tem um ator com esse tipo de carisma, ele melhora a performance de todos e joga o nível de exigência para cima, fazendo com que todos tenham que melhorar. Foi praticamente por causa de Jack que a adrenalina ficou tão alta”.
As filmagens de Batman começaram na metade outubro de 1988, apesar dos rumores de que Burton e Nicholson não estavam se dando bem e que o ator estava pressionando a Warner para trocar o diretor, Burton afirmou (em entrevistas na época) que o estilo de improvisação do ator era parecido com o seu.
Insatisfeitos com a escolha de Keaton como protagonista, a próxima crítica foi a respeito do uniforme do Homem-Morcego, músculos falsos demais, enormes saqueiras e uma capa que vira asas. Burton respondeu dizendo que a ideia era humanizar o personagem e que ele deveria se vestir assim para dar um efeito cinematográfico. Que ele não deveria ser apenas um vigilante, que aonde ele chega causa um efeito sua roupa deveria afastá-lo do que era sem ela. Sobre a saqueira enorme, comentou que pretendia injetar um pouco de sexo na imagem dos quadrinhos.
Robin foi excluído do roteiro depois do início das gravações, pois Burton considerou que a introdução desse personagem diminuiria o ritmo do filme. No elenco de apoio está Jack Palance, como chefe do Curinga, Jerry Hall (a namorada do Palance), que foi escolhida por sua semelhança com a personagem (as duas eram modelos) e para essa personagem foi dada uma máscara desfigurada o que mistura a vida real da atriz com a ficção de sua personagem.
Os personagens de Palance e Hall, junto com o repórter Alexander Nkox, interpretado por Robert Whul, foram criados para o roteiro. Dos quadrinhos, Burton escolheu Pat Hingle como o Comissário Gordon, o amigo de Bruce Wayne que não sabe da sua identidade para combate ao crime. No final do filme é Gordon quem introduz o Batsinal dos quadrinhos. Alfred, apesar de ser introduzido nos quadrinhos apenas em 1943, está presente no filme desde o início e é interpretado por Michael Gough. Além de Kim Basinger como Vicky Vale, namorada de Batman.
A trilha sonora ficou por conta de Danny Elfman e contou com uma música de Prince, que foi criticada por todos, de público a crítica, sendo acusada de ser totalmente deslocada do filme.
Na época, a Warner estava tão confiante no filme que já estava pensando em uma sequência e nomes como Robin Willians, para o Charada, e de Danny DeVito, para o Pinguim, já estavam sendo cogitados. Além de comprar o cenário que havia sido feito para evitar precisar construir um novo quando fossem gravar.
Enquanto a Warner já estava especulando uma continuação Burton, afirmou, “Não quero nem saber de uma continuação. Elas só servem se deram a você uma oportunidade de fazer algo novo e interessante. Tem que ir, além disso, na verdade, porque você já faz o primeiro pela emoção do desconhecido. Uma continuação não tem nada disso, então é preciso explorar outro nível. Não descarto nada se o desafio for excitante”.
O que eu mais gosto nesse filme é o fato de ser possível reconhecer o Tim Burton no todo, no cenário, na fotografia e ainda sim reconhecer o Batman…E aí o que vocês acham dessa adaptação?
Curiosidades:
– Adam West, protagonista da série de TV sobre o Batman, tinha o desejo de protagonizar o filme dirigido por Burton. Mas quem levou foi Michael Keaton que foi aprovado pelo cineasta e por Bob Kane, criador do personagem.
– Vicki Vale inicialmente seria interpretada por Sean Young, mas a atriz fraturou a clavícula no início das filmagens (em uma cena em que montava em um cavalo com Keaton). A cena foi excluída do roteiro e atriz substituída por Kim Basinger.
– Para o papel de Coringa foram cotados: Robin Williams, Willem Dafoe, David Bowie, John Lithgow, Tim Curry e James Woods.
– Michael Jackson foi convidado para compor canções para a trilha sonora, mas devido a um conflito de agenda não pode aceitar o convite.
– Com um orçamento aproximado de US$ 35 milhões, Batman arrecadou mais de US$ 400 milhões em todo o mundo.
– O contrato do Jack Nicholson tinha uma cláusula que dizia que ele deveria receber uma porcentagem do faturamento total do filme. O ator recebeu US$ 60 milhões pela atuação, até 2003 esse teria sido seu maior cachê por um único filme.
– Em 1990, ganhou o Oscar de Melhor Direção de Arte e foi indicado a categoria Melhor Ator – Comédia/Musical – Jack Nicholson.
O que aconteceu com os atores principais de Batman?
Michael Keaton (clique aqui)
Kim Basinger
Basinger deu vida à Vicki Valey, antes disso a atriz teve papeis em 9 ½ Semanas de Amor, 007 Nunca Mais Outra Vez. Atualmente a atriz está com três filmes para lançar no Brasil: I am Here, Nocturnal Animal e The Nice Guy (2016).
Jack Nicholson (Coringa)
O ator começou sua carreira por volta dos anos 1960 e tem filmes consagrados em sua trajetória, como Um Estranho no Ninho (1975), O Iluminado (1980). Hoje o ator decidiu usar sua veia cômica e está apostando neste nicho. O último filme de Nicholson que veio para o Brasil foi o Como você sabe (2010).
Michael Gough (Alfred)
A estreia de Gough como ator aconteceu na comédia dramática para a televisão Androcles and the Lion (1946). O ator interpretou o mordomo Alfred em quatro filmes do Batman: Batman (1989), Batman – O Retorno (1992), Batman – Eternamente (1995) e Batman & Robin (1997). Participou de filmes premiados como Entre dois Amores e A Época da Inocência. Estava aposentado do cinema quando participou do A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999). Ele faleceu em 2011, aos 94 anos.