Por Verônica Petrelli
Tudo começou com uma pequena produtora chamada Heyday Films. O então novato produtor David Heyman e sua equipe estavam buscandoalguma obra literária interessante para adaptar aos cinemas e obter notoriedade. Pesquisaram inúmeros materiais. A história de Harry Potter e a Pedra Filosofal, porém, ficou na pilha de baixa prioridade. David Heyman havia recebido um manuscrito não publicado de uma romancista de primeira viagem (J.K. Rowling) e deixou-o de lado, pois a história não o interessava. Num dia qualquer, uma assistente de David pegou o manuscrito para ler e adorou a história. Repassou-o então para o seu chefe, que começou a leitura com a intenção de passar apenas por algumas páginas. Porém, às quatro horas da manhã, já havia engolido o livro inteiro. Então, duas semanas depois, no ano de 1997, Heyman começou a negociação dos direitos autorais. Depois, conseguiu uma parceria com a Warner Brothers para filmar a história. E o resto nós já conhecemos: sucesso absoluto. Ninguém tinha pretensão nenhuma e sequer imaginaria que essa seria uma das séries mais lucrativas e inesquecíveis de todo o cinema mundial. O livro Harry Potter e a Pedra Filosofal foi publicado um pouco depois de toda a negociação, em julho de 1997 no Reino Unido e em setembro de 1998 nos EUA. A essa altura, muitos fãs já conheciam a história do bruxo de 11 anos com cicatriz de raio na testa. Portanto, a pressão por um filme fiel só aumentava.
Com contrato fechado, os produtores começaram a correr atrás de sua equipe. Chamaram para a direção de arte o então ganhador de três Oscar, Stuart Craig, que sem dúvida foi a melhor aposta que a série Harry Potter já fez. Para diretor, porém, a busca estava difícil. Chegaram a pensar em Steven Spielberg, mas o profissional, apesar de ter se interessado pela história, estava com outro trabalho em andamento. Por fim, Chris Columbus, diretor de Esqueceram de Mim 2, apareceu com ideias extremamente interessantes para adaptar a história às telas (ele já havia lido o livro e adorado o enredo). Por isso, ficou com o trabalho – escolha muito acertada. Chris sempre se manteve fiel aos livros de J.K. Rowling, sendo A Pedra Filosofal e A Câmara Secreta os filmes mais leais à saga, ambos dirigidos por ele. Além disso, Columbus tem um dom excepcional para lidar com crianças, principalmente aquelas que nunca tenham atuado em frente às câmeras, como no caso do longa-metragem Harry Potter. E, com certeza, tomou uma das decisões mais sábias à época: não exagerar em efeitos de computador, preferindo tomadas reais em cenários “palpáveis”.
Escolhido o estúdio, o maior desafio foi buscar os atores mirins. Hermione Granger e Rony Weasley logo foram encontrados pelos produtores. Emma Watson era extremamente inteligente e perspicaz, assim como Hermione, e a câmera a amava. Rupert Grint encarnava um Rony muito brincalhão e matreiro, tendo muitas semelhanças com seu personagem. Faltava, porém, o principal: Harry Potter. Inúmeros meninos participaram dos testes, mas os produtores não encontravam uma criança que passasse o espírito íntegro e puro de Harry Potter. Por fim, em uma ironia do destino, Daniel Radcliffe foi descoberto por David Heyman ao acaso e se depararam com um desafio: os pais do rapaz não queriam que ele encontrasse a fama tão cedo, e foram muito relutantes em deixar o filho participar do filme. Após diversas insistências e alguns testes de vídeo, os senhores Radcliffe finalmente foram convencidos. E J.K. Rowling gostou do trabalho que viu: “Ao assistir Daniel no teste, senti que estava vendo um filho há muito tempo perdido”.
O filme Harry Potter e a Pedra Filosofal é extremamente mágico e fiel à brilhante obra de Joanne Kathleen Rowling. Logo na primeira cena, vemos Alvo Dumbledore e Minerva McGonagall entregando o pequenino bebê Harry Potter à soleira da porta dos trouxas Dursley. Aqueles que não leram a obra podem não saber, mas logo nesse início há um momento cortado do livro. Na realidade, a história começa com vários bruxos comemorando a queda do Lorde das Trevas Voldemort.
Algumas cenas depois, Harry cresce e começa a descobrir poderes que nunca havia mensurado antes, como a habilidade de falar com uma cobra nozoológico. Não demora muito e coisas estranhas ocorrem: cartas endereçadas a Harry começam a chegar por intermédio de corujas e milhares delas invadem as janelas, portas e lareira da casa dos intragáveis Dursleys. Nessas cenas, a equipe de filmagem teve que utilizar papel moeda nas cartas, para que as correspondências não ficassem tão pesadas para as aves carregarem. E por falar em corujas, um fato curioso sobre a personagem Edwiges: ela é interpretada pela coruja Ook, que foi o primeiro membro da equipe de atores a ser escolhido!
Uma cena muito bonita e tocante é o momento em que Harry está deitado no chão da simplória cabana onde os Dursley estão se escondendo das mágicas cartas de Hogwarts. O pequeno órfão desenha um bolo com a poeira do chão, espera dar meia noite e faz um pedido de aniversário. No mesmo momento, Rúbeo Hagrid, o meio-gigante guardião das chaves das terras de Hogwarts, arromba a porta da frente e vem trazer a Harry uma notícia totalmente inusitada. É aí que o personagem principal descobre sua verdadeira identidade: ele é um bruxo, versado de poderes mágicos. Esse excerto do filme foi muito fiel ao livro, com exceção de que a real causa da morte dos pais do Harry não é revelada nesse exato instante no filme, e sim um pouco mais para a frente, no Beco Diagonal.
E por falar em Hagrid, um fato curioso que poucos conhecem: o ator Robbie Coltrane, escalado para interpretar o meio-gigante, possuía um dublê de corpo em inúmeros momentos. O ex-jogador de rúgbi Martin Bayfield, de 2,08 m de altura, usava uma máscara animatrônica protética baseada no rosto de Robbie Coltrane para filmar as cenas em que Hagrid precisava parecer maior. É Martin Bayfield, por exemplo, que participa da cena final de Harry Potter e a Pedra Filosofal, quando Harry dá adeus a Hagrid na plataforma do Expresso de Hogwarts.
Após descobrir sua real identidade, Harry tem que sacar dinheiro bruxo para comprar seus materiais escolares. E é neste momento que conhecemos um dos mais estonteantes cenários da série: o Beco Diagonal. Como J.K. Rowling descreveu que esse local estava situado ao lado de Charing Cross Road, os realizadores do filme procuraram seguir esse padrão, mas pensando em construções do século XIX, tortuosas e irregulares. Durante a concepção desse cenário, Charles Dickens também serviu de inspiração. As roupas dos bruxos e bruxas que circulavam no Beco Diagonal, por sua vez, foram inspiradas em O Mágico de Oz. Todos esses elementos combinados arrancaram lágrimas da autora britânica quando ela visitou o set de filmagens pela primeira vez. J.K. Rowling achou o cenário muito especial e único, exatamente do jeito que havia imaginado.
Após comprar todos os seus materiais escolares, Harry descobre, com o auxílio de Molly Weasley, a passagem para o Expresso de Hogwarts em Kings Cross. O trem que deu vida ao Expresso de Hogwarts era uma locomotiva autêntica a vapor, que funcionou de verdade até a década de 60, e depois foi desativada. E é neste mágico trem vermelho que Harry conhece seus primeiros amigos em sua jornada a Hogwarts.
Infelizmente, uma cena sensacional foi cortada nesta parte do filme. No livro homônimo, o rato de estimação de Rony, Perebas, em um impulso para defender o seu dono e livrá-lo de uma briga, acaba mordendo o dedo de Gregório Goyle, um dos capangas de Draco Malfoy. Essa é a primeira de muitas brigas entre Harry e o trio malévolo da Sonserina. É também dentro do Expresso de Hogwarts que Harry e Rony conhecem Hermione Granger. A atuação de Emma Watson nesse momento do filme é simplesmente espetacular. Ela encarna com toda graça e propriedade uma Hermione mandona e exibida. Isso sem contar o seu cabelo armado e volumoso, igualzinho ao descrito nos livros. Nesse momento, uma cena extra, que não constava na obra literária, é adicionada: a fim de mostrar sua habilidade com magia, Hermione lança o feitiço Óculos Reparo em Harry, e seus óculos ficam novos em folha, perdendo a fita crepe que era um resquício das surras de Duda Dursley. Uma cena muito bem encaixada no filme. E por falar em óculos, Daniel Radcliffe teve um grande problema com essa peça no início das filmagens. Após duas semanas de trabalho, o ator descobriu que era alérgico ao níquel dos aros. A equipe de cenografia teve que fabricar uma peça nova especialmente para Daniel.
Depois de viajarem pelos trilhos, chega a tão esperada hora de os calouros conhecerem o castelo de Hogwarts. O momento é de causar arrepios nos espectadores do filme, tal a perfeição da cena. Os novos alunos sendo transportados em pequenos barcos por meio do Lago Negro, e avistando ao longe as torres e torrinhas da escola de magia e bruxaria, é uma ocasião que deixa de cabelo em pé qualquer fã fervoroso da saga. Tudo isso somado à perfeição da trilha sonora de John Williams.
Um fato curioso a ser exaltado é que a produção de Harry Potter e a Pedra Filosofal desejaria ter organizado algumas filmagens de Hogwarts na Catedral de Canterbury, em Kent. Contudo, os eclesiásticos não permitiram o trabalho da equipe no local, alegando que os livros de J.K. Rowling propagavam o paganismo.
Após conhecerem o castelo de Hogwarts em seu exterior, chega a hora de os alunos desbravarem o Salão Principal para serem escolhidos a uma das quatro casas tradicionais: Grifinória, Lufa-Lufa, Sonserina e Corvinal. E este é outro cenário maravilhoso, produzido em estúdio, que causa estarrecimento aos fãs. O Grande Salão é uma raridade na indústria cinematográfica de hoje, visto que foi utilizado ininterruptamente por uma década no decorrer das filmagens da saga. Stuart Craig teve a perspicácia de investir uma quantidade significativa do seu orçamento em pedras de York para o piso. Apesar de controversa, essa decisão mostrou-se sábia, visto que a pedra de York durou o suficiente para suportar os passos de centenas de atores e diversas câmeras em suportes. A inspiração para esse cenário veio do salão de Christ Church, datado do século XVI, e do Salão de Westminster nas Casas do Parlamento em Londres.
Filmar o quadribol foi um dos principais desafios da equipe. Era ainda mais difícil para os atores mirins; eles tinham que interagir com elementos gerados por computador, portanto, não existentes. Para compor essas cenas, há primeiro uma sequência de esboços a lápis, que são posteriormente passados para o computador, com o intuito de mensurar os movimentos dos atores. Após esse processo, filma-se com cada criança separadamente, uma a uma. Para se ter uma ideia, àquela época, uma cena com dez jogadores de quadribol poderia levar uma semana para ser filmada, mas apareceria na tela por apenas dois segundos. Tudo isso delongou o processo. Apesar de eletrizante, o esporte no filme é bem mais violento do que o descrito nos livros.
Temos também a cena onde o trio principal (Harry, Rony e Hermione) acaba entrando na porta do terceiro andar por acidente, onde descobrem o cachorro de três cabeças Fofo. Tal excerto é extremamente emocionante no livro. Na obra literária, Draco Malfoy convida Harry para um duelo de bruxos à noite. Porém, o convite trata-se de uma armadilha. O vilão acaba sumindo e dedurando Harry, que é perseguido por Argus Filch, zelador da escola. No ímpeto de fugir do sujeito, o bruxo e seus amigos escondem-se no terceiro andar do castelo e encontram Fofo, cachorro que protege o alçapão da pedra filosofal.
Com certeza, um dos momentos mais tocantes do filme é quando Harry descobre os poderes do Espelho de Ojesed, capaz de mostrar os desejos mais desesperados do coração de quem o vê. Ao avistar os seus pais sorrindo no espelho, o jovem órfão não consegue se desvencilhar dessa visão, indo visitar o objeto praticamente todas as noites. Certa vez, em um encontro com Dumbledore (interpretado tão brilhantemente por Richard Harris) em frente ao espelho, é proferida uma das frases mais bonitas de toda a saga: “Não vale a pena viver sonhando, Harry, e se esquecer de viver…”.
Por fim, a trama vai caminhando para o momento de maior suspense: a descida do trio pelo alçapão, onde irão resgatar a pedra filosofal almejada por Voldemort. E de todas as cenas filmadas, a partida de xadrez sem dúvida é a mais eletrizante e emocionante sequência do filme. O diretor Chris Columbus estava ansioso para produzir essa cena. Apesar da grandiosidade do tabuleiro de xadrez, a maioria das jogadas não precisou de efeitos especiais. As peças eram movidas por rádio, o que não foi uma operação fácil devido ao seu tamanho e peso. Entretanto, o movimento combinado da câmera, junto às peças andando mecânica e lentamente pelo tabuleiro, conferiu uma atmosfera de terror para a cena. Somado a isso há a brilhante atuação de Rupert Grint, sentindo-se confiante como Rony Weasley, corajoso por comandar o tabuleiro, mas ao mesmo tempo aterrorizado por ter que se sacrificar pelos amigos. Aliada a todos esses elementos, há a impecável trilha sonora de John Williams, trazendo suspense ao momento.
E então, após a destruição da Pedra Filosofal e o anúncio de que Grifinória é campeã da taça das casas, caminhamos para a última cena do filme: a despedida na plataforma de Hogwarts, onde os alunos pegam o trem de volta para suas casas. Essa é uma linda passagem, que deixa os fãs com lágrimas nos olhos, principalmente quando Harry ganha de Hagrid um álbum com fotos de família. É curioso pensar que a última parte de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi exatamente a primeira cena da saga a ser filmada. Nesse dia, Emma Watson estava usando dentes postiços, pois seu dente de leite havia caído dias antes.
Por mais que alguns momentos tenham faltado no filme, como o teste de lógica de Snape no alçapão, o acompanhamento do dragão Norberto à torre de astronomia e, principalmente, a omissão de um dos personagens mais caricatos de J.K. Rowling (o poltergeist Pirraça, que seria interpretado pelo ator de comédia Rik Mayall), Harry Potter e a Pedra Filosofal é um filme sensacional, um tributo aos fieis fãs da saga. Recheado de magia e preocupado com cada detalhe, o longa-metragem não decepcionou, tornando-se um dos filmes mais leais do menino bruxo.
Harry Potter e a Pedra Filosofal foi lançado nos cinemas em novembro de 2001. Concorreu em três categorias do Oscar e recebeu sete indicações ao BAFTA.