Por Soraya Yumi

Habilidade para Pegar um Assassino
Domingo, 26 de fevereiro
Roteiro: Mark Frost e David Lynch. Direção: David Lynch.

“Ás vezes idéias, como homens, aparecem e dizem ‘Alô’. Elas se apresentam, essas idéias, como palavras. São mesmo palavras? Essas idéias falam de modo tão estranho! Tudo que vemos neste mundo é baseado nas idéias de alguém. Algumas são destrutivas; outras construtivas. Algumas podem vir em forma de sonho. Posso repetir novamente algumas idéias vêm em forma de sonho”.

O sonho tem sido objeto de inquietação em muitas obras cinematográficas, de Hitchcock em Spellbound (1945) a Christopher Nolan em Inception (2010). Na obra do diretor David Lynch, o sonho é abordado com o propósito de gerar o efeito terror psicológico; enquanto em Spellbound explora o sonho a partir da perspectiva da psicanálise e Inception busca demonstrar a possibilidade da inserção de uma ideia a partir de um sonho. Dentre as várias abordagens de sonho, temos alguns exemplos criados por Lynch em: Lost Highway (1997), Mulholland Drive (2001) e Inland Empire (2006). Porém, em Twin Peaks o sonho pode ser visto como uma “ferramenta” de trabalho do Agente Cooper, logo, no seriado, ocorre uma perspectiva diferente dos longas-metragens produzidos por Lynch. Quem melhor traduz o que se passa, nesse caso, é a psicanálise ao afirmar que o sonho é um meio pelo qual o inconsciente procura alertar a consciência para o que ela não percebe ou não quer aceitar, e tenta, por compensação, equilibrar a psique, a totalidade de fenômenos psíquicos. Os sonhos trazem à tona os complexos e sugerem alternativas para a consciência, cujo centro é o ego, realizar o que a pessoa é potencialmente, ou seja, os sonhos são avisos. Portanto, o monólogo da Senhora do Tronco nada mais é do que a tradução de uma cena que se procederá neste episódio e é claro que o monólogo possibilita muitas outras interpretações, mas hoje nos limitaremos ao que interessa a série.

O episódio dois começa com a excêntrica chegada de Jerry Horne, irmão do proprietário do Hotel Great Northern, Ben Horne. Cena favorita de alguns fãs devido o entusiasmo dos irmãos Horne ao comerem um simples sanduíche de queijo brie com manteiga. Após Ben dizer ao seu irmão sobre o fracasso comercial com os noruegueses, Jerry fica desanimado e como um bom irmão deve animar o outro, eis que Ben decide levá-lo ao One-Eyed Jacks (Jack Caolho). Local gerenciado pela madame, Blackie O’Reilly; cujo proprietário do bordel-cassino é ninguém menos que o poderoso Ben Horne. A escolha pelo nome One-Eyed Jacks se dá por conta do apreço que David Lynch tem por Stanley Kubrick, já que o filme One-Eyed Jacks (1961) foi parcialmente dirigido por Kubrick, além de Lynch ter assumido a sua admiração pelo cineasta em algumas entrevistas quando questionado sobre “quais trabalhos você admira?” e “quais filmes você assistiu freneticamente e ainda continuaria a assisti-lo mais cem vezes?”.

James Hurley e Donna continuam apaixonados e tentam se livrar da culpa (já que ela era a melhor amiga da Laura, e ele o amante) afirmando um para o outro que nada de errado eles estariam fazendo, e até afirmam que Laura era um entrave para o amor que eles sentiam um pelo outro. No Hotel, Dale Cooper é informado via telefone a situação de Ronnette Pulaski e a aparição do “Homem sem um braço” que provavelmente estaria espionando a UTI, em seguida, alguém bate na porta e deixa um bilhete escrito “Jack With One Eye” para o Agente Cooper.

Os problemas são construídos: Mike e Bobby devem 10 mil dólares a Leo Johnson por causa de drogas sendo que os 10 mil estavam no cofre de Laura e agora estão com o FBI; Nadine e Ed brigam por causa de trilhos de cortinas enquanto Ed trai sua esposa com a Norma; Leo sabe que Shelly está sendo infiel, o que põem em risco a vida de Shelly e Bobby.

No dia da morte de Laura Palmer, ela escreveu em seu diário “Nervosa sobre o encontro com o ‘J’”, e esta é a frase que o Agente Dale Cooper analisa de uma forma um tanto estranha, tanto que vale a pena ser assistida. Ele faz uso da técnica tibetana que adquiriu há três anos atrás, após um sonho. Consiste em uma técnica dedutiva inconsciente envolvendo a coordenação indivisível do corpo-mente com o mais profundo nível de intuição. Muito do trabalho de Dale Cooper é baseado na intuição e até mesmo em sonhos; essa característica é posta em contraste com os outros detetives da ficção, que usam a lógica para revolucionar os mistérios. Ao final da demonstração para descobrir qual rumo as investigações devem seguir, são marcados dois nomes: Dr. Lawrence Jacoby e Leo Johnson. Albert Rosenfield, perito criminal do FBI, e sua equipe chegam a Twin Peaks para analisar o corpo de Laura Palmer.

Dale Cooper tem seu primeiro sonho intuitivo, composto por flashes dele mesmo mais velho, com rugas e cabelos brancos; um anão dançando; o “Homem Sem Braço”; o Bob, personagem que é apresentado no sonho de Cooper pelo “Homem Sem Braço” por meio de um confuso diálogo entre os dois, porém, anteriormente aparecera nas alucinações de Sarah Palmer; e por último, uma mulher idêntica a Laura Palmer. Durante o sonho ocorrem monólogos e conversas, aparentemente desconexas, que causam curiosidades benéficas no telespectador. Digo “benéfica” pois diferentemente de muitas séries de mistério, Twin Peaks conecta os pontos relevantes ao final da trama enquanto algumas séries criam inúmeros enigmas e quando chegado o momento final, não conseguem dar conta de solucioná-los, assim, gerando no telespectador a curiosidade “maléfica”. Os criadores deixam nítido que quase todos os mistérios só foram expostos com propósito ganancioso de estender a série, tamanha é esta falha por levar ao declínio da qualidade que a obra poderia ter tido. Portanto, se você preza pelo bom enredo de uma série e se já passou por essa péssima experiência de ter sentido a curiosidade “maléfica” e ter se decepcionado, não tenha receio com a série Twin Peaks; pois é o tipo de obra que permite uma releitura e certamente não te decepcionará.

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